quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Chapada do Araripe - Parte Final

A terra do meu amigo Jefferson Bob é que me reservaria o maior número de Lifers e na minha opinião a melhor foto da expedição ao Sertão do Cariri.

Lá o Bob é rei, amigo de todos, tem uma grande e bela família. Até amigo passarinho ele tem!!! E dos tops!

Lembram do piu-piu, aquele que devia se chamar oficialmente farinheiro? Aquele bichim tinhoso e bunitim que só ele só? Entonces... num é que Bob fez amizade com um que mora no sítio dele?!

Embasbaquei com a mansidão saltitante daquela avezinha maneira de pernas compridas, como aquele outro tímido também, o torom. Eles devem até ocupar o mesmo nicho pois essas canelas gigantes devem ser convergência adaptativa.

Pareados em porte e beleza, mas cada qual com sua maestria, com certeza estão entre as aves mais cobiçadas do Nordeste brasileiro.

O farinheiro canta "tem farinha aí?". Até fez o Bob menino botar farinha pra ele comer, acho que daí é que veio a amizade deles. Ainda bem que Bob é cabra bão e não tem ciúmes do amigo, apresenta a todos que por lá apareçam.

E acho que o amigo foi com minha cara pois até pose fez!

Myrmorchilus strigilatus


E sua companheira, de toda vida, mais comedida como as senhôuras de antigamente, apesar de menos posuda, saiu bem na foto tumbém. 

Óia que beleza de esposa... com todo respeito, amigo

Ah, o Sertão do Cariri tem muito mais! Mas não há como negar que o farinheiro, amigo do amigo, é sua estrela principal.


As passarinhadas nestes dois dias em Potengi e arredores foram demais! Todos os endemismos que não estavam em suas migrações foram fotografados. Cem por cento de aproveitamento que eu já experimentei só na Caatinga mesmo, eita lugar bão de fotografar bicho!

E o sítio do Pau Preto do Bob? Um santuário de aves da região. Lá, bando com milhares de avoantes, também conhecidas como pombas-de-bando, estão seguras dos caçadores.

Primeira vez que as vejo fazendo valer seu nome popular


Aves mais arredias que não deram muito mole em outros encontros, lá desfilavam tranquilas, como foi o caso do formigueiro-de-barriga-preta, outro que sou fã.

Simpático Formicivora melanogaster com plumagem especial

Guaracava-modesta(Sublegatus modestus) outro Lifer garantido no sítio
Bacurauzinho-da-caatinga, outro amigo de infância do Bob, fazia ninho


Alguns outros Lifers legais feitos no Parque Natural Municipal Distrito Brejinho, em Araripe, município vizinho, e nos caminhos do Cariri:

Tico-tico-de-bico-preto(Arremon taciturnus)


Caneleiro-enxofre(Casiornis fuscus)

Rapazinho-dos-velhos(Nystalus maculatus)

Noivinha(Xolmis irupero)

Bem amigos, foram muitos lifers e alguns melhoramentos de registros que estenderiam demais esta publicação. Então, resumindo, posso lhes garantir que é uma viagem imperdível, certeza de grandes lifers em belas fotos.

Bob, meus parabéns pela luta solitária, praticamente contra tudo e todos, na preservação da Caatinga e sua fauna. Agradeço também à sua bela família pela acolhida e a você, por me apresentar seus amigos alados.

Inté!


terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Chapada do Araripe - Segunda Parte

Extasiados pelo soldadinho, almoçamos e seguimos rumo à terra do Jefferson Bob, Potengi/CE, mas no caminho um dos objetivos principais desta viagem, o esquivo torom-do-nordeste(Hylopezus ochroleucus).

Este torom e o piu-piu estão entre as espécies da Caatinga mais difíceis de fotografar(e junto com o soldadinho formavam o Top 3 desta viagem). Em Caetité/BA, eu e meu brother, o Wagner Nogueira, ouvimos ambas, mas mesmo usando a técnica de atração por playback, sequer vimos a sombra dos bichos.

À medida que subíamos a Chapada, a exuberante Mata Atlântica ia se encabrunhando até que adentramos uma estrada de terra na área da Fazenda Pau d'Arco, ali iríamos tentar torar o torom.

O Jefferson na dura missão de me apresentar o torom-do-nordeste

Na primeira tentativa não obtivemos êxito, o bicho até que respondeu ao playback, consegui até colocar os olhos nele, mesmo que de relance, entre a tranqueira, mas impossível alguma foto e ele se mandou.

Partimos para outro indivíduo, outro território, simulamos um intruso e este foi mais valente, se mostrou um pouco mais, o suficiente para conseguir registrar esse fantasminha do Nordeste.

Foi demais ver meu primeiro Hylopezus, gênero muito interessante de pequenas e tímidas aves terrícolas. Foi demais ver seus interessantes trejeitos, seu canto, enfim, um encantador convívio, mesmo que por um breve momento, que pôde ser eternizado na forma de mais um Lifer, um Top Lifer.


Com tanta tranqueira na frente, só no foco manual mesmo


A foto original, para vocês terem ideia da dificuldade
Distância focal: 600 mm

Mais uma aparição do festejado fantasminha

Enquanto estávamos "à caça" do torom, um Lifer deu o maior mole, forrageando tão próximo que mal consegui focá-lo.

Choca-do-planalto(Thamnophilus pelzelni) procurando alimento

As necessidades básicas fazem todos suplantarem o medo
Outra espécie que sou muito fã que também pintou pousando bem perto foi a choca-do-nordeste, como vocês podem conferir nessa foto sem crop.

Sakesphorus cristatus


O Jefferson, com sua experiência, me disse que na época das chuvas é mais fácil fotografar o torom-do-nordeste e estávamos no auge da seca, aliás uma seca que o Jefferson me disse que nunca havia visto igual.

Estávamos ainda na Chapada, onde o verde resiste graças a algum capricho da natureza e há Mata Atlântica com grandes árvores, protegida por uma FLONA, mas depois da parada, quando continuamos viagem descendo a Chapada, deixamos o Carrascal e entramos na Caatinga propriamente dita. Lá os efeitos da grande seca eram bem visíveis na vegetação completamente composta de galhos esturricados.

Assim terminou o primeiro grande dia desta viagem, com dois dos objetivos principais realizados!

Foi um primeiro grande dia e nem mesmo a notícia de que a água estava imprópria para banho conseguiu afetar minha felicidade.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Chapada do Araripe - Primeira Parte

Ave amigos!

Já há um bom tempo o soldadinho-do-araripe(Antilophia bokermanni) estava em meus planos, uma das espécies mais ameaçadas e belas do nosso Brasilzão. Felizmente acabei ganhando uma viagem do meu tio e compadre Tigó para fotografá-lo. Então só posso dedicar todos os lifers desta viagem a ele(desculpe Tigó, com exceção do piu-piu, você vai entender rs), por sua generosidade pura, sem vaidade, desinteressada, com o único propósito de fazer o bem. Sempre foi assim, com todos, e especialmente com seus bem aventurados "filhos adotivos".

Claro que não teria sucesso sem meu mais novo amigo, o grande guia local Jefferson Bob, e para não me estender muito, deixarei as fotos como testemunho da recomendação.

O pacote do Bob é perfeito para quem quiser, além do soldadinho, fotografar outros endemismos da Caatinga. São 3 dias de muito passarinhada, do jeito que a gente gosta.

Bem, às aves!

Como nada é perfeito, o voo que chega em Juazeiro do Norte/CE, aeroporto do sertão do Cariri, nosso destino, é de madrugada. Cheguei às 3 da matina! Sorte de quem consegue dormir no avião, aparentemente todo mundo menos eu que mal caibo naquelas poltronas.

Mas a adrenalina do primeiro dia nos deixa confortavelmente prontos para o que der e vier, porém, sabiamente, nossa estreia na Chapada do Araripe é no território do seu protetor, o soldadinho-do-araripe, que fica dentro de um parque onde o acesso é muito tranquilo mesmo.

É um tesouro guardando outro, já que a Chapada tem várias nascentes(coisa rara na Caatinga) e a presença da ameaçadíssima ave criou um projeto de preservação de toda a área que ela ocorre, a vertente norte que cobre os municípios de Crato, Missão Nova e Barbalha.

O parque fica neste último município e o grande lance é que neste local, livre de caçadores, o soldadinho não vê mais o homem como uma ameaça. As fêmeas costumam fazer o ninho do lado da pequena trilha, sobre um estreito curso d´água, e é só ficar por ali que o dono do pedaço, o soldadinho macho, sempre passa fazendo sua vistoria de rotina, pois é assim e com seu forte canto que ele guarda seu território de intrusos. Nessa trilha há dois territórios, onde fêmeas e jovens podem ser vistos, além dos dois machos adultos, que atraem observadores e fotógrafos do mundo todo.


Apesar da colaboração, a luz ambiente não é das melhores para fotos



Vocalizando


Reparem o branco e vermelho surgindo neste jovem


Esta fêmea estava do lado do curso d'água, notem o reflexo na sua barriga

A fêmea acima provavelmente estava procurando um local para o futuro ninho. Como costuma acontecer na reprodução de algumas espécies, a fêmea, discreta, é que faz todo o trabalho, desde construir o ninho até alimentar a prole, já que o macho, espalhafatoso, chamaria muita atenção dos predadores.

Que aliás não faltam. Enquanto fotografávamos o soldadinho, um gavião-pedrês começou a vocalizar nos arredores.

Buteo nitidus


Outro lifer que também pintou, apesar de distante, foi o pica-pau-anão-canela, endemismo quase ameaçado do Nordeste brasileiro.

Picumnus fulvescens

Bão demais, ó xente! E ainda tem muito mais...

domingo, 8 de novembro de 2015

No coração da Amazônia, última parte

Voltamos para Manaus com a alma lavada! Urutau-ferrugem, galo-da-serra, rabo-de-arame e falcão-de-peito-laranja protagonizaram uma das mais fantásticas viagens da minha vida.

Mas não falei ainda do falcão... foi porque ele deixou para fechar com chave de ouro nossa expedição amazônica.

Raro e belo Falco florestal

O falcão nos recebeu na torre no último dia de nossa viagem, foi o primeiro bicho avistado por mim ao terminar a subida. Pensa na emoção...

Neste último dia contamos com a companhia do famoso fotógrafo/ornitólogo Ciro Albano e sua esposa, assim como a esposa do nosso guia, o Marcelo Barreiros. Reza a lenda que o Ciro fez pacto para atrair as aves, prefiro acreditar que foi a chuva.rs Quanto bicho!!! Foi um grande desfile, a torre bombou!!! Praticamente todos os bichos aguardados e que não vimos nos dois primeiros dias conseguimos não só ver como fotografar neste último. Até para o experiente Ciro teve lifer(claro, afinal não se vende a alma à toa...) sacanagem Ciro kkk.

Nesta viagem pude conhecer também o Tomaz Melo e o Anselmo d'Affonseca, ambos gente boa um tanto... Galera, foi um grande prazer conhecê-los pessoalmente. Outra coisa boa demais nesse tal de passarinhar, nossa turma é muito bacana! Até hoje não conheci ninguém que fugisse à regra.

Pipira-de-bico-vermelho


Caçula, um dos menores pássaros do mundo

Araçari-negro, outro lifer muito aguardado

O festejado capitão-de-bigode-carijó, um legítimo angry bird 

Show do bando de chora-chuva-de-asa-branca

Um momento raro, gavião-ripina relativamente perto

Casal de pica-pau-de-colar-dourado

Macuru-de-pescoço-branco


É isso amigos, vamos visitar nossa Amazônia! Além dos bichos fantásticos que só têm lá, outro grande lance é que a gente mata a saudade daqueles bons velhos tempos. Lá é possível voltar ao passado e sentir aquela empolgação das primeiras saídas a campo, quando quase tudo é novidade. É um novo e imenso mundo a explorar. Acredito que o ecoturismo pode ajudar e muito na preservação deste nosso tesouro.

No coração da Amazônia, a Amazônia pra sempre no nosso coração

sábado, 7 de novembro de 2015

No coração da Amazônia, terceira parte

Confesso que, antes de ver o vídeo que o Marcelo Barreiros fez do rabo-de-arame dançando e tentando conquistar a fêmea, o galo-da-serra era o primeiro da minha lista nesta viagem.

Fiquei embasbacado e sonhando em presenciar aquele ritual indescritível e não tive como eleger outra espécie para representar uma expressiva marca na minha vida de fotógrafo de aves, a 800ª espécie brasileira registrada no Wikiaves.

Nosso destino, o Parque Nacional de Anavilhanas, que nasceu para proteger um dos maiores arquipélagos fluviais do mundo com cerca de 400 ilhas! Um verdadeiro paraíso ecológico onde a natureza intocada é a morada de uma das aves mais fantásticas do planeta!

Vista parcial do arquipélago, a pequena mancha rosa na beira do rio é Novo Airão


Na cheia esse caminho é feito de barco
Foto gentilmente cedida por Sylvia Dantas


O espetacular rabo-de-arame


Para o deslumbre de uma pequena plateia estarrecida, o show foi completo. O palco, o verdadeiro paraíso, mais uma vez só faltou a água, pois se não fosse a seca, chegaríamos até o local remando pelos igarapés, entre raízes aéreas e bandos de aves, conforme nos relatou nosso guia. Com certeza seria mais "chocante"!

Faltou a água, mas os pássaros estavam lá, seria efeito da chuva de véspera? Talvez, mas o lugar deve ser top mesmo, além do rabo-de-arame, só no caminho de volta para o barco foi um festival de lifers, com destaque para o pica-pau-de-coleira que deu um mole danado.

Pica-pau-de-coleira

Bem amigos, só o espetáculo protagonizado pelo pequeno grande piprídeo já vale e muito uma viagem para "Maravilhanas", como muito bem foi apelidado o local.

Despeço-me com um pouco do espetáculo:
https://www.youtube.com/watch?v=Mfludj0H4-0


No coração da Amazônia, segunda parte

No segundo dia eu e o Marcelo partimos para um parque em Presidente Figueiredo mesmo, enquanto o Tavinho e a Sica preferiram passarinhar na área do hotel. Afinal era lá que tinha um ponto conhecido e muito acessível do sensacional beija-flor-brilho-de-fogo, um dos objetivos do Tavinho, além de ter bastantes caboclinhos-de-peito-castanho, outro passarinho bem legal que o Tavinho tava doido pra fotografar.

Como sempre, partimos cedo. No meio da estrada de terra que dava acesso à BR encontramos um belíssimo gavião-branco se alimentando de um minhocuçu. Sempre quis encontrar esse gavião, uma pena que as condições de luz ainda não estavam boas, o dia alvorecia.

O gavião voou até este tronco(?) e continuou seu desjejum

Depois de começar o dia com o pé direito, chegamos ao parque e como não podia ser diferente, o local estava sentindo os efeitos da seca prolongada também. Aliás eu estava torcendo para chover desde quando o Marcelo tinha me falado da seca e das queimadas na região. E mais uma vez o movimento na floresta parecia estar aquém de um dia típico de primavera na Amazônia. Mas mesmo assim consegui algumas fotos legais de lifers.

Papa-moscas-uirapuru
Arapaçu-pardo
Formigueiro-de-hellmayr


Digno de menção também foi o beija-flor-de-bochecha-azul fazendo ninho que o Marcelo achou, ele me contou que este beija-flor chega e sai do ninho de um jeito bem diferente, mimetizando uma folha caindo na floresta, fato que pude apreciar mas infelizmente não consegui registrar. Ele sai do ninho com as penas da cauda abertas e com um bater descompassado das asas, muito diferente e legal mesmo!

O beija-flor e seu ninho


Os lifers do Parque Municipal da Cachoeira das Orquídeas: limpa-folha-de-sobre-ruivo, fruxu-do-carrasco, arapaçus rabudo, assobiador e pardo, papa-moscas-uirapuru, bico-chato-de-rabo-vermelho, joão-tenenem-castanho, choca-bate-cabo, choquinha-de-garganta-cinza, formigueiro-de-hellmayr.

No dia seguinte iríamos ao Ariaú, mas a seca impediu que chegássemos ao hotel, já que a única forma viável de chegar até lá era pelo rio Ariaú que se encontrava bem abaixo do normal. Então arriscamos uma fruteira em Manacapuru, mas não tivemos muita sorte, pois as frutas já estavam acabando e o movimento deixou a desejar. Mas como estávamos na Amazônia, lifers sempre pintam.

Maria-te-viu


Suiriri-de-garganta-rajada

Periquito-de-asa-dourada
Os esperados uirapuru-de-cabeça-azul e cabeça-dourada não apareceram, ou melhor, só uma fêmea do cabeça-dourada que mesmo assim não rendeu boas fotos.

Voltamos para Manaus e no dia seguinte novamente à torre. Foi o pior dia lá, nenhum lifer, nenhuma foto legal, um silêncio mortal. Também nenhuma gota de chuva até então, porém nuvens pesadas se avizinhavam. E parecia que ia chuver forte! Então nosso guia pediu para nos apressarmos e com as malas prontas no carro partimos para Novo Airão, terra do incrível rabo-de-arame.

Fumaça vista da torre


No caminho uma copiosa chuva nos apanhou.
Será que as aves apareceriam na torre no derradeiro dia? Que aquela fumaça infernal se dissiparia? Que a chuva seria o suficiente para apagar as queimadas?
Nunca uma chuva havia me deixado tão feliz.

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

No coração da Amazônia, primeira parte

Ave amigos!

A maior floresta tropical do mundo está secando! Mas apesar da destruição o paraíso ainda existe e resiste à maior praga de todas, a ambição.

Algo precisa ser feito urgentemente, poucos ganham em detrimento do resto do mundo, pois não tenham dúvida de que para a sobrevivência de nossa espécie é preciso que aquele santuário ecológico seja preservado. Interesses econômicos não sustentáveis precisam ser contidos, não podemos impor nosso modelo econômico capitalista falido àquela região.

Mas vamos falar de coisa boa, vamos adentrar o coração da Amazônia! Enquanto a vida ainda existe em abundância e esplendor!

Fomos à caça de três habitantes amazônicos excepcionais. Ou melhor, quatro, porque o meu companheiro de passarinhada, o multi artista Tavinho Moura e sua adorável esposa, a Sica, também visavam o extraordinário, porém tímido, beija-flor-brilho-de-fogo. Tarefa muito mais difícil que os nossos extravagantes objetivos em comum.

Nos primeiros dias de nossa viagem pegamos uma grande seca e um calor sem precedentes, realmente desanimador o cenário. Em vez daquela evapotranspiração do sempre verde que encharca a atmosfera de umidade, o que se via da torre do Jardim Botânico de Manaus era uma desoladora cortina de fumaça.

E as aves pareciam sentir também, pois o movimento no dossel foi aquém do esperado.


Se não fossem as saíras-negaça faltaria brilho nesse primeiro dia de torre


Atmosfera enfumaçada e maitacas-roxas à distância

Anambé-branco-de-rabo-preto pousou do lado da torre

Poucos e distantes lifers desfilaram neste dia: papagaio-diadema, araçari-miudinho, tem-tem-de-topete-ferrugíneo, macuru-pintado, poiaeiro-da-guiana, um casal de maitacas-roxas e só. Com foto boa só a saíra-negaça mesmo.

Nosso guia, o ornitólogo Marcelo Barreiros já nos havia alertado. Parecia que a seca e o calor escassearam o alimento na floresta e as aves deveriam estar poupando energia. Essa era sua teoria, bem lógica por sinal.

Mas não deu tempo de deixarmos a peteca cair. Partimos dali com a adrenalina a mil pois para nossa surpresa naquele mesmo dia iríamos encontrar uma das aves mais fantásticas do mundo, o incrível galo-da-serra.

Ao contrário do que estamos acostumados, o melhor horário pra observá-lo é à tarde, onde vários machos se reúnem em um local conhecido como arena. Na arena, todos os anos, em determinados meses, vários machos se exibem para conquistar uma fêmea, como nos nossos bailes ou coisas do gênero.

A arena está localizada numa campinarana, ambiente amazônico bem diferente do que estamos acostumados a ver. Nada de árvores gigantescas com troncos de grossos calibres. A Amazônia é muito mais do que a gente imagina...

Ao fundo três machos, mas às vezes víamos muitos mais na mesma cena
Foto de Sylvia Dantas

Há várias descrições na internet e em livros, mas nada se compara a vivenciar esse momento. Deixo com vocês pelo menos uma fração de segundo, um momento mágico que a tecnologia moderna consegue captar e eternizar.

A ave do paraíso brasileira, psicodélica


Mas no caminho para o galo, o primeiro dos três grandes objetivos, outro ente amazônico fantástico.

Faltando alguns dias para nossa viagem, pintaram algumas fotos de um urutau incrível, de plumagem e comportamento ímpares, tanto que o Marcelo me disse que provavelmente essa espécie será a única do gênero.

O Marcelo achou o ninho de um urutau-ferrugem e seus sortudos clientes tiveram acesso, mas já havia um tempo que não via nenhuma foto do bicho no Wikiaves e provavelmente o filhote já havia nascido. Não tínhamos nenhuma informação recente, nem o próprio Marcelo que estava estudando o ninho.

Vocês podem imaginar a expectativa... Antes de tudo, será que o filhote havia vingado? Caso positivo, como ele estaria? Com um dos pais? Sozinho? Como ele deveria ser? Afinal nunca vi uma foto do filhote, aliás esse era o primeiro ninho desta espécie que estava sendo monitorado! Pesquisei na internet e não havia nenhuma foto do filhote desta espécie. Era praticamente como descobrir uma nova espécie, nunca dantes vista.

Seguimos por uma trilha na mata, Marcelo nos guiando, até que ele nos alivia: alí está ele!!!

Uma imagem vale mais que mil palavras:

Dá pra imaginar como foi ver "isso" pela primeira vez?!!!
Não costumo filmar, pede um bom tripé que me falta, mas neste caso abri uma exceção. É incrível como o filhote aprende desde cedo a imitar o movimento causado pelo vento na floresta:
https://www.youtube.com/watch?v=QAl3af0Ln78

Esse foi um primeiro grande dia! Como um daqueles grandes clássicos do rock progressivo, um começo devagar, um meio estonteante e um desfecho psicodélico.

Depois de tanto rock'n roll, nada como um banho refrescante num igapó e um suco do mais legítimo açaí. Assim terminamos um dos dias mais fantásticos de nossas vidas.