segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Espinhaço Épico Parte II

Caetité é um município baiano localizado num planalto, no hiato entre o Espinhaço Norte e Central.

Chegamos em Caetité bem tarde, mas em tempo de acharmos um hotel. Quase cem quilômetros inesperados de estrada de terra trapacearam nossas estimativas.

Mais uma breve noite e pegamos novamente estrada para o Brejinho das Ametistas, vila de Caetité onde um parque eólico domina a paisagem.

Foto: Wagner Nogueira


Paramos o carro numa estrada que cortava um fragmento de Mata Seca, ecossistema totalmente desconhecido para mim. Chamou-me atenção o quão seca era aquela mata, realmente muito feliz a denominação desse ecossistema.

A Mata Seca

A estrada era uma reta com tênue aclive. Na sua parte mais baixa podíamos ver ainda algumas folhas, mas poucos metros de subida a paisagem se tornava essa que vocês podem ver acima, desprovida de qualquer verde.

A Mata Seca da parte menos elevada do terreno, onde algumas folhas conseguem sobreviver
Foto: Wagner Nogueira

Fato é que aquela paisagem aparentemente desértica não condizia com a quantidade e variedade de aves que achamos.

A primeira impressão é a que fica, e não podia ser melhor, foi descer do carro e dar de cara com um bando misto.

Para quem nunca esteve na Mata Seca, um festival de lifers!

Choca-do-nordeste(Sakesphorus cristatus), abundante e linda

Nesse bando misto já cliquei o arapaçu-de-wagler(lifer), bico-chato-amarelo, guaracava-cinzenta, sebinho-de-olho-de-ouro e a lindíssima choca-do-nordeste, uma das que mais queria fotografar.

Logo em seguida o Wagner ouviu o tico-tico-do-são-francisco, outra espécie que estava na minha lista de favoritos desta viagem.

Tico-tico-do-são-francisco(Arremon franciscanus)

 À medida que subíamos a estrada, os lifers iam pipocando: pica-pau-ocráceo, balança-rabo-de-chapéu-preto, o extraordinário e arisco bico-virado-da-caatinga; entre espécies muito legais já conhecidas, como pica-pau-de-topete-vermelho, picapauzinho-anão, garrinchão-de-bico-grande(deverá ser reconhecido como novo taxon), bico-reto-de-banda-branca e sem falar no piu-piu e no torom-do-nordeste que apesar de vocalizarem, não deram as caras.

Pica-pau-ocráceo(Celeus ochraceus)

Garrinchão-de-bico-grande(Cantorchilus longirostris bahiae)


Continuava extasiado com aquele contraste! Como que uma vegetação aparentemente sem vida sustentava tantas espécies?!

Já estávamos retornando, descendo a estrada em direção ao ponto mais baixo da Mata Seca, quando o Wagner me chamou atenção para uma ave interessante que ele detectara.

Em instantes fui apresentado a um xará que nunca tinha ouvido falar, o joão-de-cabeça-cinza(Cranioleuca semicinerea). Um daqueles momentos impagáveis!

João-de-cabeça-cinza

Ser apresentado desta maneira a uma espécie até então desconhecida, após mais de 5 anos estudando, viajando e fotografando nossas aves, é uma experiência sensacional! Nosso país é fantástico! Ornitologicamente falando.

E não foi a única! Apesar do Wagner já ter me preparado para ela, nunca tinha ouvido falar desta ave, sua espécie favorita, o cara-dourada(Phylloscartes roquettei).

O Wagner observou que a parte mais baixa daquela mata era o habitat típico deste pequeno passeriforme. E após algumas tentativas de atração, eis que para alegria de todos surge o cara-dourada!

No início lá no alto, depois desceu um pouco, mas o Wagner me disse que quando está pareado chega até ao nível dos olhos. Mesmo assim fiquei satisfeito.

Vê-se algum verde no habitat do raríssimo cara-dourada(Phylloscartes roquettei)

Formigueiro-do-nordeste(Formicivora lheringi), na única oportunidade para foto

Nesse mesmo trecho outro festejado bicho apareceu! Lifer para nós, o belo formigueiro-do-nordeste infelizmente não amaciou o jogo e nos venceu pelo cansaço, pois já estávamos de partida, para mais uma longa e desconhecida jornada, rumo à minha Minas Gerais, rumo ao Espinhaço Central.

Foto: Wagner Nogueira

Agradecimento especial ao ornitólogo Ciro Albano que compartilhou as indicações de áreas a serem visitadas em Caetité e na Chapada Diamantina em seu ótimo artigo "Birding in north-east Brazil, part 2: The vast state of Bahia".

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Espinhaço Épico Parte I

O Espinhaço é a única cordilheira brasileira, se estende quase ininterrupto por cerca de 1000 km, da região de Ouro Preto, nas Alterosas, até a Chapada Diamantina, na Bahia. Li certa vez que é a cicatriz do nascimento do continente.

Já tive a oportunidade de explorar bem sua porção sul, morei muitos anos na região.
Notáveis endemismos como pedreiro-do-espinhaço, beija-flor-de-gravata-verde, lenheiro-da-serra-do-cipó já foram registrados nas minhas andanças principalmente pela serra do Cipó. Outras serras conhecidas que fazem parte da porção sul da cordilheira brasileira: serra do Caraça, do Rola Moça, da Moeda, de Ouro Branco, entre tantas outras.


Mas, ao norte da serra do Cipó, centenas de quilômetros de Espinhaço ainda ocultos esperavam para serem desbravados.

Espinhaço Sul


Aves e biomas desconhecidos sempre me despertaram interesse, sabia que um dia iria me aventurar naqueles ermos sertões.

Nosso primeiro destino foi a Chapada Diamantina, Espinhaço Norte. Buscávamos tesouros perdidos naquela pedregosa imensidão quase despovoada. 




Mas nosso ponto de partida foi Montes Claros/MG, onde encontrei com o grande ornitólogo, meu "irmão", o Wagner Nogueira. Tenho muito a agradecer ao Wagner, valeu demais meu velho!

Dali seguimos de carro, por quatorze horas, passando por diversos biomas e suas variantes fitofisionômicas rumo ao Espinhaço Norte, terra desconhecida não só pra mim, mas também para o Wagner.

Interessante como as paisagens mudavam com tanta facilidade. Mata Seca, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica e suas variações formavam interessante mosaico. Não raramente podíamos vislumbrar mais de um bioma na mesma paisagem.

E dentre as várias paisagens impressionantes, não posso deixar de mencionar as florestas com grandes árvores que se formavam no alto de algumas serras. Li em algum lugar: Florestas de Altitude.

Tais formações só ocorriam no topo dos morros. Abaixo delas, formações abertas, ao contrário do que estava acostumado: campos rupestres e cerrado nas partes mais elevadas do terreno, e matas nos grotões. Essa é a formação costumeira no Espinhaço Sul.

Apesar de ser a mesma cordilheira, com muitos aspectos familiares, havia singularidades fantásticas, e claro, as mais notáveis para nós, as aves.

Assim como no Espinhaço Sul e Central(ambos na sua quase totalidade em território mineiro) temos nossa joia alada, o beija-flor-de-gravata-verde(Augastes scutatus), o Espinhaço Norte tem seu equivalente, o beija-flor-de-gravata-vermelha(Augastes lumachella).

Ambos ocupam o mesmo ecossistema, os campos rupestres, e estão entre as aves mais fantásticas de toda cordilheira do Espinhaço.

Augastes scutatus
Augastes lumachella jovem





















Outra ave fantástica, somente descrita pela ciência em 2007, em perigo de extinção e que só ocorre na Chapada Diamantina, é o papa-formiga-do-sincorá (Formicivora grantsaui).

Assim como o beija-flor-de-gravata-vermelha, esta espécie vive nos campos rupestres, a cerca de 1000 m de altitude, na serra de Sincorá, localizada na Chapada.

Para achá-la, o Wagner contou com ajuda do também ornitólogo Ciro Albano e do José Carlos, proprietário da pousada Casa da Geleia, em Lençóis, principal porta de entrada da Chapada Diamantina.

Aqui vale um parênteses: a Casa da Geleia é a melhor opção de hospedagem para birders na Chapada Diamantina, e digo isso não porque os donos, o casal José Carlos e Lia, nos recepcionou com tanto carinho, praticamente nos "obrigando" a almoçar com eles(que aliás estava sensacional), em nossa breve visita. Digo isso porque a pousada é totalmente voltada para birders: café às 4 da matina, biblioteca especializada, comedouros e bebedouros muito bem frequentados(destaque para o raríssimo Colibri delphinae que em determinada época do ano pode ser encontrado lá) e as valiosas dicas do experiente birder José Carlos, que conhece muito bem a avifauna local e está sempre muito bem informado, já que os principais ornitólogos e guias que visitam a região ficam em sua pousada e estão sempre atualizando informações sobre as espécies mais requisitadas.

Agradeço mais uma vez toda gentileza, meus amigos!
Foto:Wagner Nogueira



As aves não só encontram alimento na pousada, mas também um balneário de água corrente e límpida
Asa-de-telha-pálido(Agelaioides fringillarius), um lifer na nossa breve visita

Ah, e não deixem de experimentar as deliciosas geleias da Lia, heim?! Uma melhor que a outra, tem até uma de pimenta que é de fazer chorar, literalmente, né Lia? rs

Bem, a vontade era de ficar, o papo tava ótimo, mas além do Formicivora, ainda tínhamos centenas de quilômetros desconhecidos pela frente, até nosso próximo destino, o município baiano de Caetité.

Então, há poucos quilômetros da despedida, paramos no ponto indicado e não demorou muito para encontrarmos o endêmico papa-formiga-do-sincorá.

O lugar é muito tranquilo, do lado da estrada que era nosso caminho para Caetité.

Foi só acionar o playback que uma fêmea veio pra cima. Incrível como se aproximou, não se incomodando com nossa presença. E, ao contrário do que estamos acostumados a ver, o macho ficou mais distante, na brenha, enquanto a fêmea procurava o intruso. Nada machista a sociedade deles...

A fêmea só faltou pousar na gente

Um dos raros momentos que o macho "saiu no limpo"

Digno de menção foi o avistamento, infelizmente sem documentação, nas primeiras luzes do dia 05/09/15, de um mocho-dos-banhados (Asio flammeus) forrageando num campo próximo à BR 242. No Wikiaves, em todo Nordeste, há somente dois registros desta espécie, no oeste baiano.

Um lugar que também não posso deixar de citar é a localidade de Igatu. Passamos por essa pitoresquíssima vila já à noite, onde fizemos uma breve parada para jantar.

Localizada na Chapada Diamantina, Igatu é uma pequena vila literalmente incrustada na serra.

A arquitetura peculiar nos faz sentir dentro de um filme, parece que duendes e gnomos são os habitantes daquele lugar.

Casas e ruas de pedras, sobre pedras. Assim se apresenta Igatu ao visitante. Difícil saber onde termina a obra de Deus e começa a do homem.

Flores e plantas nativas ajudam a compor a paisagem lítica que, encurtada pela escuridão da noite, nos instiga a imaginação.

Um dia volto, sem a limitação da luz, para vislumbrar uma provável e imponente serra, a emoldurar aquele fantástico cenário.

Alguns outros registros realizados na nossa breve passagem pela Chapada Diamantina:

Chorozinho-da-caatinga

Pica-pau-anão-pintado

Thamnophilus caerulescens ochraceiventer
Provavelmente trata-se de nova sp

A última cena que vimos antes de começarmos a descer a Chapada e adentrarmos a Caatinga foi a mais magnífica de toda viagem: as famosas "mesas", colossais formações geológicas que nos remetem a eras passadas. Isso sim um irresistível portal de "volte sempre"!


E não vimos praticamente nada...

Chapada Diamantina, um tesouro!
Foto: Wagner Nogueira

A saga continua...