terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Manaus, o retorno Parte Final

Ao último dia foi reservado a ilha da Marchantaria, localizada no rio Solimões. Para tanto mais uma vez embarcamos, dessa vez com o Maurício, gente muito boa, aliás, isso é regra entre o povo manauara.

A lancha cortou ligeira o Negro, diminuindo para apreciarmos mais uma vez o encontro das águas, dessa vez de pertinho, dando até pra tocar na água morna de ambos os rios. Naquele calorão como deve ser bão se banhar naquelas águas...

Logo após adentrarmos as barrentas águas do Solimões, encontramos o passarim preferido de Diadorim, o Manuelzinho-da-croa. Peço permissão ao genial Guimarães Rosa:

"Era o manuelzinho-da-croa, sempre em casal, indo por cima da areia 
lisa, eles altas perninhas vermelhas, esteiadas muito atrás traseiras,
 desempinadinhos, peitudos, escrupulosos catando suas coisinhas
para comer alimentação. Machozinho e fêmea – às vezes davam beijos
de biquinquim – a galinholagem deles. ‘É preciso olhar para esses 
com um todo carinho..."

Grande Sertão: Veredas

"Catando suas coisinhas"
Mineiro do sertão, fui encontrar Manuelzim solimando

Na mesma praia talha-mares e trinta-reis abundavam:

Talha-mar


Trinta-reis

Ainda embarcados registramos os dois iratauás, o pequeno e pouco depois o grande, grande momento de nossa expedição! (estávamos com sorte mesmo, esses iratauás não respondem playback e o grande ainda é arisco)

Iratauá-pequeno

Iratauá-grande


Aportamos na ilha da Marchantaria e o primeiro passarim a aparecer foi essa fêmea de pia-cobra "do norte", que aliás foi o único bicho conhecido que encontramos (mas nem tanto, pois essa subespécie é bem diferente):

Geothlypis aequinoctialis aequinoctialis


Selfie na ilha

Após vencermos uma vegetação rasteira que quase nos encobria, chegamos num local onde havia algumas pequenas árvores esparsas e onde também o Luiz já havia detectado a maria-preta-ribeirinha, bicho que não costuma atender playback. Ela estava distante, mas antes de resolvermos tentar uma aproximação, os lifers começaram a pipocar.

O primeiro a aparecer foi o mais raro, com pouquíssimas localidades no Wikiaves, o arredio-de-peito-branco:

Cranioleuca vulpecula

Depois dois Synallaxis que ocorrem somente neste habitat nos desafiaram:

João-de-barriga-branca

João-de-peito-escuro

Este alegrinho-do-rio, um visitante esporádico, passou serelepe:

Serpophaga hypoleuca

E, em mais um lance de sorte, a maria-preta-ribeirinha pintou num bom local para fotos:

Knipolegus orenocensis


Muito satisfeitos, retornamos à lancha e seguimos para outro ponto da grande ilha em busca do formigueiro-preto-e-branco e da figuinha-amazônica.


O encontro das águas
Nesta época os rios estão enchendo, no vai-e-vem anual das águas, a ditar a vida na Amazônia


No ponto da floresta de embaúbas, habitat da rara figuinha-amazônica, o barranco ainda estava alto, impossibilitando nosso acesso à ilha. Mas dali mesmo, embarcados, com a ajuda do playback, o Luiz Fernando mostrou mais uma vez a que veio, garantindo mais este grande lifer:

Myrmochanes hemileucus

Continuamos beirando a ilha, procurando a figuinha, mas sem sucesso. E quando já estávamos nos preparando psicologicamente para despedirmos daquele lugar fantástico, eis que encontramos uma maravilhosa águia-pescadora com sua presa, para fechar com chave de ouro nossa viagem!

Espero que a sequencia transmita um pouco de nossa emoção:








Bem amigos, finalizo este relato agradecendo à minha família, pois sem seu apoio esta viagem não seria possível, à companhia sempre agradável do casal de queridíssimos amigos Tavinho e Sica e ao competente e prestativo Luiz Fernando Carvalho, excelente guia de Manaus, que deixou sua vida no Rio Grande do Sul para também ser um grande apresentador das maravilhas que nossa tão ameaçada Amazônia guarda.

Agradeço também os barqueiros Fábio e Maurício e todo povo manauara que sempre nos recebe tão bem, fazendo com que a gente se sinta em casa.

Naquele lugar me sinto em meu habitat, em meio à natureza primitiva, de infinitas possibilidades. Se Deus assim me permitir, e com o apoio da minha família, pretendo continuar voltando todo ano à Amazônia, maior tesouro de todos nós brasileiros.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Manaus, o retorno Parte III

Os rios são a alma da Amazônia, maior fonte de vida, inspiração, integração e ao mesmo tempo separação. Isso mesmo, separação, pois os grandes rios amazônicos são barreiras geográficas intransponíveis para diversas espécies florestais, formando centros de endemismos. É como se fossem ilhas, cada uma com fauna característica.

Portanto, se quisermos aumentarmos nossa lista de lifers, devemos transpor tais barreiras e explorarmos novos centros de endemismo, novas comunidades ornitológicas.

No dia anterior exploramos o interflúvio Solimões-Negro, para tanto utilizamos a nova e belíssima ponte sobre o rio Negro, que liga Manaus a Iranduba. Mas para transpor o Solimões e acessar um novo centro de endemismo, só de barca. O legal é que passamos por uma das principais atrações turísticas de Manaus, o encontro das águas, local de grande beleza cênica onde os principais rios amazônicos se encontram. O rio Solimões, cor de barro e o Negro, com suas águas escuras, seguem lado a lado, sem se misturar, por quilômetros, formando o recordista Amazonas.


Feita a travessia de balsa, logo após transpormos a cidade de Careiro da Várzea, nos deparamos com um bando de curica-verde, melhorando, e muito, meu registro do dia anterior.

Graydidascalus brachyurus

Ainda com as curicas, avistei a primeira das seis, isso mesmo, seis águias-pescadoras do dia! Até então meus dois encontros com essa extraordinária águia foram tão inusitados quanto distantes, o primeiro na serra do Curral em BH e o segundo na minha casa aqui no Rio. Dessa vez também passou distante, batendo suas longas asas.

Então seguimos e paramos numa outra área de várzea, à beira da rodovia que inicia a Transamazônica, ponto de alguns lifers que o Luiz já conhecia e que não nos decepcionaram:

Todirostrum chrysocrotaphum


Galbula tombacea


Attila cinnamomeus (casal)


Outro lifer que pintou (vou me restringir aos lifers para não me delongar muito):

Piculus leucolaemus


Então seguimos.

Precisamos viajar por 100 quilômetros para conseguir acessar uma mata de terra firme e - o que torna a cena ainda mais lamentável - toda aquela área destruída é improdutiva! Nenhuma plantação, nenhuma criação. Como precisamos de bons administradores públicos...

Gigante sobrevivente


No caminho encontramos uma jovem garça-real que talvez ainda não tenha aprendido a temer o homem e que me proporcionou um dos registros que mais gostei desta viagem:

Pilherodius pileatus

Continuamos viagem seguindo a máxima rushniana "we only stop for the best".

O Luiz, sabendo do meu grande desejo em encontrar uma águia-pescadora, preveniu-me que havia um local que costumava observar uma.

E não é que a bicha tava lá?! E no local mais próximo à estrada possível! Um dos momentos mais extasiantes da viagem! De arrepiar!!!

Pandion haliaetus

Mas antes disso o Luiz já havia dito que se não encontrássemos a águia-pescadora hoje em boas condições para foto, no dia seguinte teríamos boas chances também. "Show must go on"!

Na terra firme fizemos bons lifers, quase todos com fotos de lifer (traduzindo, fotos só para registro de uma espécie nova, independente da qualidade), alguns exemplos:

Conopias parvus

Myrmotherula brachyura

Mas um em especial colaborou, um bichim bunitim dimais da conta, o cantador-sinaleiro:

Hypocnemis peruviana

Na volta ainda encontramos mais dois lifers, a polícia-inglesa-do-norte e o caneleiro-cinzento, além de outra águia-pescadora pousada, mas a luz e a distância não possibilitaram boas fotos.

Sturnella militaris

Pachyramphus rufus


E assim fechamos nosso penúltimo dia de viagem, exaustos e felizes.

Na balsa, eu, a adorável Sica e o grande Tavinho
Foto: Luiz Fernando


domingo, 29 de janeiro de 2017

Manaus, o retorno Parte II

Atravessamos a belíssima ponte sobre o rio Negro e depois de alguns quilômetros por uma boa estrada estávamos às margens do rio que dá nome ao hotel, nosso principal destino nesse segundo dia de expedição.

Primeira vista do hotel Ariau


Mas nem tudo foi flores, infelizmente encontramos o outrora glorioso Ariau Amazon Towers literalmente caindo aos pedaços. Realmente de lamentar... Mas como costumo dizer: vamos focar no lado bom das coisas, e bola pra cima pois o hotel fantasma era todo nosso!

Apesar de não podermos acessar as torres de onde poderíamos fazer boas fotos de bichos de copa, as passarelas suspensas, feitas de concreto, resistiam às intempéries amazônicas e nos garantiram acesso a aves incríveis que há muito tempo sonhava encontrar. O único cuidado era com o limo que poderia dar causa a uma queda fatal e com umas duas árvores que tombaram sobre a passarela, mas longe de nos obstaculizar.

Mas antes mesmo de desembarcarmos no Ariau, grandes emoções pontuaram nosso caminho. A começar ainda em terra firme, às margens do rio. Enquanto aguardávamos o barqueiro, o Luiz encontrou um raro visitante setentrional. Alegria! Um pequeno bando do estrela-do-norte se alimentava às margens do rio!

Está no Wikiaves: "Aparece como migrante esporádica na bacia amazônica em campos e áreas de campinarana, às margens de lagos e rios ou florestas secundárias altamente degradadas. Sua ocorrência na Amazônia Brasileira carece de estudos mais completos." A justificar a euforia contagiante do nosso guia.

No mesmo local outro lifer, um enorme bando de canário-do-amazonas. Mas as melhores fotos dessas duas espécies fizemos à tarde, em Iranduba, às margens do rio Solimões.


O Luiz já havia nos alertado para ficarmos atentos pois ao longo do rio Ariau poderíamos encontrar alguns gaviões muito legais, dois dos quais eram antigos sonhos. Então embarcamos e descemos o rio Ariau com olhos de águia!

O primeiro acipitrídeo que encontramos, ainda em terra firme, foi um jovem gavião-caramujeiro, pouco depois, já embarcados, o lindo gavião-belo (seria um pleonasmo?...):

Busarellus nigricollis


A breve viagem de barco prometia!

Após o belo, o maravilhoso gavião-do-igapó! Top lifer encontrado pelo olhar mateiro do nosso barqueiro, o Fábio.

Helicolestes hamatus


Só faltava um acipitrídeo, que com alguma sorte, costuma ser encontrado naquele trecho do rio. E graças dessa vez à aguçada visão do nosso guia encontramos bem longe e escondido na copa de uma grande árvore.

Depois de acionarmos um pouco o playback, um casal do também belíssimo gavião-azul apareceu em condições para um registro que, apesar da distância, não ficou dos piores.

Buteogallus schistaceus

Claro que encontramos outras espécies muito legais, com destaque para um dos bichos mais difíceis de ser encontrado de toda nossa viagem, o rapazinho-de-boné-vermelho. Satisfeitíssimos, desembarcamos no que já foi um dos hotéis mais espetaculares da Amazônia e sem demora partimos para as já mencionadas passarelas.


Será uma grande perda para nós, observadores e fotógrafos de aves, caso se percam aquelas passarelas. Vejam o que elas nos propiciaram(além de outros lifers que o registro não ficou bom, como a saíra-de-papo-preto e o pica-pau-anão-do-amazonas):

Attila bolivianus

Xiphorhynchus obsoletus

Trogon melanurus


Monasa nigrifrons

Anhima cornuta

Myiarchus tuberculifer

Bucco tamatia



Mas duas espécies se destacaram pois eram as que eu mais esperava encontrar no Ariau. E mais uma vez a sorte estava do nosso lado. A primeira a aparecer foi a excepcional cigana, uma ave pré-histórica!

Pequena parte do numeroso bando que estava em um lugar de grande beleza cênica

Há horas que a lente fixa nos limita, como no momento acima, em que com uma distância focal menor, poderia realizar um belo retrato. Mas, para compensar...

Opisthocomus hoazin

E para finalizar o Ariau com chave de ouro, a espécie que eu mais almejava, o maior arapaçu brasileiro, o extraordinário arapaçu-de-bico-comprido:

Nasica longirostris

Foi uma grande manhã, cuja última foto refletiu bem nossa sorte:




Brincadeiras a parte, torcemos para que algum empresário resolva reerguer o Ariau pois se hospedar lá deve ser uma experiência única, que deve valer cada centavo do investimento.


Nem tudo está perdido

Depois do nosso prato predileto, uma suculenta costela de tambaqui, e de um breve descanso, seguimos para o rio Solimões, onde talvez houvesse algum ninho ainda ativo de japu-pardo.

E mais uma vez a sorte estava com a gente, pois ao que tudo indicou, havia um último ninho ativo. E que ave magnífica é o japu-pardo! Apesar de sua vizinhança não compartilhar de minha opinião. Observamos duas espécies atacando este grande macho.

Psarocolius angustifrons

Além deste suiriri, um pinhé também o atacou


Como já mencionado, reencontramos o raro estrela-do-norte, assim como o canário-do-amazonas.

Sporophila bouvronides


Sicalis columbiana

Outro lifer legal por seu meu xarazinho, o joãozinho:

Furnarius minor
Ainda rolou o periquito-testinha, um dos mais belos do Brasil na minha opinião, porém de muito longe. se quiserem conhecê-lo melhor sugiro uma visita à sua página no Wikiaves, lá vocês encontrarão ótimas fotos dele, além de outras informações.

E despedindo dos benditos últimos raios de sol, num local onde sabidamente a imponente águia-pescadora costuma ficar, melhoramos, e muito, nosso registro do gavião-pedrês:

Buteo nitidus

Confesso que apesar do Buteo numa ótima situação, parti com uma pitada de frustração de não encontrar a águia.

Se eu soubesse o show que me aguardava...