quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Chapada Diamantina, parte final

Uma viagem de menos de uma semana à Chapada Diamantina rendeu tantas fotos e "causos" que daria pra fazer um livro, mas vamos tentar finalizá-la agora.

Claro que muito ficará de fora, mas o que importa é deixar o recado: em fevereiro, a floração da calhandra-vermelha, do gervão e companhia torna a Chapada Diamantina o melhor destino para birders no Brasil, principalmente devido ao power trio: beija-flor-marrom, gravatinha-vermelha e beija-flor-vermelho.

Deixo aqui algumas dicas para quem curte fotografá-los em voo: as primeiras horas da manhã são as melhores, pois o intervalo entre um voo e outro, em busca de néctar, é menor, aumentando as probabilidades. Vale lembrar que não adianta chegar muito cedo pois a luz ainda não estará ideal, o guia saberá a melhor hora (e repito, recomendo os grandes Thalison Ribeiro e Geiser Trivelato, ambos "testados e aprovados" rs). Para fotos em voo particularmente utilizo ISO alto e prioridade de abertura, mas é só uma sugestão.

Aproveitando as magníficas condições, fiquei posicionado entre o território de dois beija-flores-vermelhos, aumentando assim as possibilidades. Dessa maneira - e claro, algumas horas em pé com o equipamento no braço - consegui, no último dia, apesar de resfriado e exausto, alguns registros que me deixaram muito satisfeito, como aqueles que publiquei na primeira parte desse relato e outros que "garimpei" depois.

Beija-flor-vermelho na flor do gervão, sua predileta



Praticamente um x-bird, esse beija-flor parece um mutante, assumindo diversas formas e cores, a seu bel-prazer













Acabei focando mais no beija-flor-vermelho, uma espécie magnífica que te desafia a cada click



O não tão mais enigmático beija-flor-marrom

E o gravatinha-vermelha completando o power trio


Paciência é a alma do negócio/Foto: Clara Botto


No "jardim dos beija-flores", apelido que demos aos belos e floridos campos rupestres da Chapada, frequentemente nos dispersávamos, pois tínhamos muitas opções e alguns objetivos diferentes.

Certa vez, estava ao alcance da vista de Tavinho e Sica, quando o Tavinho me acenou efusivamente. Fiquei encasquetado e saí em disparada, obviamente diminuindo a marcha ao me aproximar. Discretamente ele me mostrou o bicho que a Sica havia achado e que eles não conheciam.

Respondi, ainda mais encasquetado, que também nunca tinha visto aquela espécie! Essa é uma das maiores emoções que podemos ter em campo, encontrar um bicho totalmente desconhecido! Sinto-me como um astronauta encontrando um novo mundo!

"Caraca! Que bicho é esse?!!!" Sussurrei buscando registrá-lo da melhor forma possível. "Parece uma corruíra-do-campo de barriga amarela!!!" "Será uma espécie nova?!!!" kkk que barato!

Vendo a movimentação diferente, nosso guia se aproximou e desvendou o mistério, era a maria-corruíra, espécie rara do cerrado, um dos três lifers que fiz nessa viagem.
Deixo aqui meus agradecimentos à nossa querida Sica, por nos proporcionar inolvidável momento.

Euscarthmus rufomarginatus, a maria-corruíra

Encontramos a sp. em dois pontos, em campo rupestre e em campo sujo



Outro capítulo digno de nota foi nosso encontro com o papa-formiga-de-sincorá, um dos dois notáveis e ameaçados endemismos da Chapada Diamantina (já falamos do outro, o gruneiro).


Papa-formiga-do-sincorá (Formicivora grantsaui) macho






Fêmea registrada em 2015, durante expedição em busca da rolinha-do-planalto, com o Wagner Nogueira

Muito interessante foi encontrar praticamente no mesmo lugar e na mesma hora um papa-formiga-vermelho (Formicivora rufa). Os ornitólogos dizem que são espécies sintópicas, ou seja, que ocorrem no mesmo lugar. Podemos dizer que são "primos" que moram juntos.

Fêmea de Formicivora rufa, particularmente não conseguiria distingui-la de Formicivora grantsaui

Já disse alhures que estamos na época dos filhotes/jovens na Mata Atlântica.

Percebemos que na Chapada Diamantina também.

Cardeal-do-nordeste (Paroaria dominicana) alimentando seu filhote


Filhote de sebinho-de-olho-de-ouro (Hemitricchus margaritaceiventer) estava acompanhando os pais


Beija-flor-vermelho (Chrysolampis mosquitus) jovem


Esse jovem corrupião (Icterus jamacaii) aparecia todo dia na pousada para comer figo

Alguns podem estar se perguntando o que difere o filhote do jovem.

Vi certa vez no Wikiaves que o que os difere é a dependência dos pais. O jovem já consegue "se virar" sozinho, enquanto o filhote necessita dos pais para sobreviver.


Uma das menores aves brasileiras, estrelinha-ametista (Calliphlox amethystina) jovem

E por falar em estrelinha, encontrei novamente um inseto que o imita. Trem doido!




Bem amigos, para mim é sempre um prazer contar para vocês um pouco do que rolou, mas vou ficando por aqui para não me estender demais. Espero que tenham gostado das fotos, dos causos e das aves da Chapada Diamantina. Um forte abraço e até a próxima, se Deus quiser!


A Chapada Diamantina deixará saudades/Foto: Clara Botto


sábado, 23 de fevereiro de 2019

Chapada Diamantina, parte III

A riqueza da Chapada Diamantina vai muito além dos seus magníficos campos rupestres.

Formações florestais associadas a áreas pedregosas abrigam uma espécie muito rara, que só ocorre na Chapada, o tapaculo-da-chapada-diamantina, localmente conhecido como "gruneiro".

"Grunas" são espécies de cavernas criadas para extração do diamante. Os garimpeiros, pioneiros na Chapada, encontrando nas grunas aquele lifer, assim o batizaram.

Interessante paralelo podemos traçar com os Augastes.

Assim como temos o gravatinha-vermelho (A. lumachella), endêmico dos campos rupestres do Espinhaço norte, e o gravatinha-verde (A. scutatus), endêmico dos do sul, temos o tapaculo-da-chapada-diamantina (Scytalopus diamantinensis) e o tapaculo-serrano (Scytalopus petrophilus), que ocorre no Espinhaço sul e um pouco mais "pra baixo", chegando a alguns trechos da Mantiqueira.

Ambos ocupam praticamente o mesmo habitat ("petrophilus" significa amigo das pedras), sendo que morfologicamente as semelhanças são muito maiores que os beija-flores. Vale ressaltar que diamantinensis só foi "descoberto" em 2007, creio que antes disso deveria ser confundido com seu primo do sul. Mais um caso para a fascinante Biogeografia.

Paciência, virtude imprescindível também para fotógrafos de aves/Foto: Clara Botto

Tínhamos uma manhã para tentar fotografar aquele que pra mim era o maior desafio dessa viagem, um dos mais raros Scytalopus conhecidos. Quem sabe, sabe, conhece bem, como é difícil registrar um Scytalopus.

No primeiro ponto encontramos um belo casal de sanhaço-de-fogo e uns aracuãs-de-barriga-branca que não deram "mole", mas nem um pio do gruneiro.

O segundo e último ponto (os outros pontos conhecidos demandavam muitas horas de caminhada) proporcionou-nos belos cenários, mas nada do gruneiro.

Cheguei a manifestar a desistência do bicho, afinal estávamos no período de descanso reprodutivo, enfraquecendo nossas chances de atrair e fotografar o arredio e irriquieto gruneiro. Mas foi aí que o Tavinho mostrou que não só brilha nos palcos.

Ele estava tão convicto que no dia seguinte encontraríamos o gruneiro que sua fé me comoveu e convenceu. Então, no dia seguinte, lá fomos nós, em bom "mineirês", "traveiz".

Sentei-me no chão, posicionando-me da melhor maneira possível. Depois de algum tempo, o som da esperança ecoou no meio do mato, uma sequencia breve e única me fez render graças aos céus e agradecimentos ao Tavinho.

Mas o tempo, em apreensivo silêncio, passava. Nem um pio, nem uma movimentação. Será que o bicho deu um alarme e sumiu? Sem aviso notei o mato se mexendo bem do meu lado, a menos de um metro! Meus olhos esbugalhados procuraram nosso guia que acenou positivamente! Rolou aquele o. o. na hora!

O fantasminha então pulou para um galho no "limpo", mas ainda tão perto que a lente não conseguia focar. Logo na sequencia foi para o local onde consegui salvar uma única foto, o suficiente para ganharmos o dia!

Gruneiro, espécie em perigo de extinção, no único click que salvou


Na sequência outra "pedreira".

No cerradão a "caçada" continuaria desafiadora com o torom-do-nordeste (Hylopezus ochroleucus).

No cerradão a brenha é obstáculo a ser vencido/Foto: Clara Botto


Pia de lá, embrenha daqui e mais uma vez não conseguimos revelar toda a excêntrica beleza do tímido torom-do-nordeste.

A brenha era tão braba que não conseguimos fugir dela

O cerradão que o grande Thalison Ribeiro nos levou era top demais, encontramos todas as especialidades nordestinas que procurávamos.

Chupa-dente-do-nordeste (Conopophaga cearae)



Bico-virado-da-caatinga (Megaxenops parnaguae)

Formigueiro-do-nordeste (Formicivora lhering)

Pica-pau-ocráceo (Celeus ochraceus)


Mas ainda não é tudo pessoal! A Chapada Diamantina ainda tem muitas riquezas a revelar!

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Chapada Diamantina, parte II

A Chapada Diamantina tem aquele jeitão de norte de Minas, parece não ter fim.

Impossível não lembrar de Columbina cyanopis... aquela areia branca emoldurada pelos paredões de pedra do Espinhaço de Botumirim se reproduz com incrível semelhança na Chapada Diamantina. Impossível não lembrar da maior expedição da minha vida, atrás da preciosidade, em 2015, relatada aqui em "Espinhaço Épico". Tenho certeza que um dia algum atento e persistente observador encontrará a rolinha do espinhaço na Chapada.
Qualquer semelhança com Botumirim não é mera coincidência, ambos lugares fazem parte da grande cadeia do Espinhaço


Fomos em dois lugares que mais pareciam enormes jardins. O solo, formado pela tal areia branca, destacava ainda mais a riqueza biológica do lugar e a beleza típica dos campos rupestres.

Clarinha fez um belo trabalho capturando um pouco da incrível biodiversidade local. Segue uma pequena amostra do seu acervo:

As minúsculas flores do gervão são muito apreciadas pelos beija-flores

Rapé(Encyclia alboxantina), bela orquídea da Chapada





O "jardim dos beija-flores"

A quantidade de beija-flores era incrível, pessoal! Tinha lugar que ficávamos rodeados por quatro, cinco beija-flores-marrons! Essa enigmática espécie era um dos principais objetivos da viagem.

Há duas áreas de ocorrência muito distintas dessa ave aqui no Brasil. Uma na Chapada Diamantina e outra no norte de Roraima, em região também serrana. Talvez a Geologia, remontando remotas eras, consiga desvendar essa intrigante distribuição.

Beija-flor-marrom (Colibri delphinae)


Desde que conheci o beija-flor-marrom no Wikiaves ficava me questionando se ele migrava até Roraima no período que "sumia" da Chapada, pois por mais "louco" que possa parecer, há muitas "insanidades" quando o assunto é migração de aves.

Mas minha dúvida foi esclarecida pelo Thalison antes dele me apresentar à espécie.

Quando os beija-flores-marrons não estão concentrados nas florações que ocorrem nessa época, eles estão espalhados no topo das serras da Chapada Diamantina, região vasta, erma e de difícil acesso. Esse tipo de migração é conhecida como altitudinal e é muito comum entre as aves.

Beija-flor-marrom na calhandra-vermelha, uma de suas favoritas






E para finalizar o grande show do power trio, uma magnífica especialidade da Chapada Diamantina, o gravatinha-vermelha.


Augastes lumachella





Diamante vale quanto brilha, precioso gravatinha


E com essas joias nos despedimos dos campos rupestres/Foto: Clara Botto

Mas o festival de aves da Chapada Diamantina continua no cerradão.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Chapada Diamantina, tesouro incalculável

A história da Chapada Diamantina começa no início do século XIX, com a descoberta de diamantes na região. Dizem que até hoje seu subsolo guarda imensa quantidade da pedra.
Sorte nossa tal descoberta ocorrer num período relativamente recente da história da humanidade, quando já conseguimos mensurar a importância de manter um local tão magnífico preservado.
Além da urgente questão dos recursos hídricos, do meio ambiente em geral, o homem moderno, assoberbado nas grandes cidades, busca a paz contemplativa única da Natureza, valorizando, como nunca, a beleza e a magnitude de um monumento natural como a Chapada.

Maravilhas a cada curva/ Foto: Clara Botto

Um retorno às nossas origens


Poço Azul/foto: Sica, a quem muito agradeço por essa e várias outras ótimas lembranças de nossa viagem


Proteção e usufruto de áreas com grande valor biológico, cultural e paisagístico, tais são os motivos da criação dos parques nacionais em todo mundo.

Sob a guarda do Parque Nacional da Chapada Diamantina, nós, brasileiros, garantiremos que aquela imensa riqueza seja usufruída por todos e por inúmeras gerações.

Dado o recado, aos fatos.

Essa viagem começou com um encontro fortuito com grandes amigos, Geiser Trivelato e Luiz Ribenboim. Perguntei ao Geiser onde era "a boa" em fevereiro, para aproveitar umas férias. Respondeu sem titubear, Chapada Diamantina! E o Luiz e suas extraordinárias fotos de aves em voo, foram uma grande inspiração.

E mais uma vez o grande Geiser mandou muito bem! Essa época há uma imensa floração que atrai espécies raras e magníficas como beija-flor-marrom, gravatinha-vermelha, beija-flor-vermelho, estrelinha-ametista entre outros tantos.

Fevereiro geralmente é um mês ruim para fotografar aves - calor, descanso reprodutivo - mas a floração de espécies muito atrativas para os beija-flores torna esse mês especial para a Chapada Diamantina.

Com os grandes amigos e parceiros, Tavinho Moura e Sica, mais nossa Fofolete, a Cacá, que sonhava conhecer a magnífica chapada, lá fomos nós!

Essa foi a primeira expedição oficial da Clarinha conosco e ela mostrou que é da turma, realizando belas fotografias.

Foto: Clara Botto

Making of


Igatu, por Clara Botto

Tavinho Moura e eu, por Clara Botto

A beleza da Chapada se revela tanto na grandiosidade quanto nos detalhes Foto/Clara Botto

A cultura local também é fabulosa, cemitério bizantino do século XIX. Foto: Clara Botto

Sertão da Bahia, por Clara Botto


Todos sob a batuta do excelente guia local Thalison Ribeiro, gente finíssima e muito competente, que conhece tudo na região! Aprendi muito com ele! Muito obrigado, grande Thalison!

Thalison, Tavinho, Sica, eu e Clarinha, no Parque Nacional da Chapada Diamantina/BA


Às maiores joias da Chapada Diamantina!

Um dos mais abundantes e espetaculares na Chapada, o incrível beija-flor-vermelho possui voo ligeiro e imprevisível.
A grande quantidade de flores pode ajudar na atração, mas quanto à foto em voo... a chance de você focar em uma flor e acertar o beijo é praticamente nula.
Despedi-me daquele lugar sensacional achando que não tinha conseguido nenhuma foto decente do beija-flor-vermelho em voo.
Com surpresa e contentamento, depois de passado os perrengues(meu voo de volta atrasou mais de 6 horas!), vendo as fotos em casa, senti-me um verdadeiro garimpeiro da Chapada, encontrando um brilhante aqui, outro acolá, peneirando cascalho bruto das fotos desfocadas.

E depois de lapidados, eis os magníficos beija-flores-vermelhos da Chapada Diamantina:



Beija-flor-vermelho (Chrysolampis mosquitus) na minúscula flor do gervão, sua favorita











Sua iridescência é voluntária, independe da luz solar


Certamente um dos mais fotogênicos beija-flores brasileiros

Comecei com o vermelho porque na minha opinião foi o bicho que deu o maior show, mas continuaremos com mais histórias e bichos bacanas da Chapada Diamantina num próximo post.