terça-feira, 12 de maio de 2015

Na Serra do Cipó com o Fernando Pacheco

Foi com grande entusiasmo que recebi o convite do Fernando Pacheco para excursionarmos pela serra do Cipó.

O Fernando dispensa apresentações, qualquer observador de aves com o mínimo de leitura sobre ornitologia já teve contato com algum trabalho do Fernando. Desde que eu conheci o Ornitologia Brasileira, livro referência coordenado e atualizado pelo Fernando, começou minha admiração por seu trabalho.
Então poder sair a campo com o Mestre foi realmente um privilégio, porque, com certeza, o Fernando é como um Pelé, um cara que pela sua contribuição já faz parte da história da ornitologia brasileira. E ainda bate um bolão! Com entusiasmo, detecta as espécies mais sorrateiras, os sons menos audíveis e, nas horas vagas, tem sempre algo a ensinar. Aliás, o Fernando é um poço de cultura, e o mais importante, de humildade também. A humildade talvez seja a virtude que mais admiro em uma pessoa, aliás, sem ela, a convivência se torna insuportável.

Como quase toda expedição ornitológica, fomos com alguns objetivos em mente, ou melhor, em lista. Cerca de dez espécies constavam em nossas listas e só o macuquinho-da-várzea constava em ambas.

Eu não tive a mesma sorte do Fernando, não registrei nenhuma espécie da minha lista de lifers, já o Fernando conseguiu completar metade de sua lista de 10 espécies, sendo que eu tive o privilégio de apresentar a única delas que era lifer total para ele,  o recém "separado" Cinclodes espinhacensis, vulgo pedreiro-do-espinhaço, que, aliás, deveria se chamar pedreiro-do-cipó(em inglês, como sempre, mais apropriado, é conhecido como "Cipo Cinclodes") já que aparentemente só ocorre na serra do Cipó, sendo que esta é somente uma das serras que compõem a colossal Cadeia do Espinhaço.

Habitat do Cinclodes

A serra do Cipó por si só é gigante, para vasculharmos toda sua imensidão levaríamos meses! Por exemplo, o único ponto conhecido do Cinclodes é em Lapinha da Serra, um lugar que impressiona por sua beleza cênica.

Cientistas da UFMG que descobriram em 2008 e mais recentemente separaram esta espécie do seu congênere sulino, acreditam que o pedreiro-do-espinhaço possa estar em processo natural de extinção, pois até 2012 (ano da separação), só se conheciam indivíduos vivendo em uma área de 490 km quadrados (fonte: O Eco). É possível que ele ocorra em outros pontos do Cipó, mas a imensidão e geografia da serra é um dificultador e ao mesmo tempo um interessante desafio para ornitólogos e observadores.

Assim que chegamos às margens do grande lago, um toque no playback bastou para um casal aparecer. Como não usamos mais o playback pudemos observar por um bom tempo seu comportamento, forrageando no solo, muito mansamente, aquela raridade do Cipó:

Pedreiro do Cipó

Comecei pelo Cinclodes pois era o objetivo principal do Fernando e fiquei muito feliz em poder apresentá-lo.

Mas o primeiro local que visitamos foi a trilha da Mãe d'Água, um local que conheci há dois anos, nesta mesma época, e onde havia várias arnicas-do-campo em plena floração, o que atraiu uma quantidade incrível de Augastes, além de outras belíssimas espécies.

Não tivemos sorte com as arnicas, as flores já haviam secado, porém esta trilha realmente é top, registramos uma grande quantidade de espécies interessantes, muitas endêmicas do Cerrado e até uma bela surpresa:

Elaenia cristata
Neothraupis fasciata

Porphyrospiza caerulescens

Heliactin bilophus

Estávamos num cerrado rupestre, arriscamos o playback de Glaucidium pois o Fernando o havia escutado na pousada, então algo diferente respondeu em um arbusto, nem o Fernando reconheceu na hora. Estávamos distraídos com vários bichos que apareceram, quando de repente, o dono do misterioso apelo "dá as caras":

Antilophia galeata

O belíssimo soldadinho, bicho típico de matas de galeria, voando como uma Elaenia pelo Cerrado, foi um grande momento de nossa expedição.

Terceiro dia da expedição partimos para uma ótima área de campos naturais que conheço em Morro do Pilar, município vizinho à Santana do Riacho(onde estávamos), limite norte do PARNA Serra do Cipó.

Nosso objetivo principal era o raro e enigmático macuquinho-da-várzea (Scytalopus iraiensis). Mas quem conhece esse bicho sabe a dificuldade que é registrá-lo. Seu comportamento é comparado a de um ratinho, mas eu diria que ele é ainda mais esquivo. Minúsculo, emite seu curioso canto numa moita aos seus pés e é a única coisa que denuncia sua presença, pois não vemos nem uma folha se mexer, nem um movimento, nem um outro barulho. Um verdadeiro fantasminha, nada camarada para nós, fotógrafos.

Depois de algumas horas desistimos e partimos para espécies menos tímidas, aliás quem nos recebeu bem diferente do iraiensis foi o tico-tico-do-banhado (Donacospiza albifrons), que literalmente veio pra cima da gente.

Tico-tico-do-banhado


Outro bicho que encontramos bastante e sempre na esperança de ser o Emberizoides ypiranganus, foi o canário-do-campo (Emberizoides herbicola).

Canário-do-campo


Seguimos em busca de espécies de nossas listas, quando o Fernando vê a vegetação típica onde ocorre o ameaçado papa-moscas-do-campo (Culicivora caudacuta). Paramos o carro e não deu outra. Respondendo, como sempre, muito bem ao playback:

Papa-moscas-do-campo

Enquanto fotografávamos o pequeno tiranídeo, já faltando pouco tempo para nossa partida, eis que pousa a poucos metros da gente a jóia alada do espinhaço mineiro, o festejado Augastes scutatus.

Foi o único indivíduo que encontramos nos três dias de expedição. Ainda bem, pois nos despedir da serra do Cipó sem o Augastes em nossos cartões de memória seria um tanto frustrante.

De passagem, um Augastes

Ainda restava talvez uma hora para partirmos, então paramos em um local onde havia bons afloramentos rochosos na derradeira tentativa de encontrarmos o joão-cipó (Asthenes luizae), notável endemismo da região.

No dia anterior, tentamos ele num ponto onde o grande amigo Eduardo Franco, presidente da Ecoavis e que também trabalha como guia na região, gentilmente nos passou. Mas não obtivemos êxito.

Conheço outro local onde ele ocorre, numa RPPN, inclusive foi onde o registrei, mas é um bocado longe, demandando autorização e tempo de que não dispúnhamos nesta viagem.

Naquela última parada, também não encontramos o joão, mas o rabo-mole-da-serra deu mole e assim completamos as cinco espécies da lista "top ten" do Mestre Pacheco. Como lhe disse, é sempre bom termos ótimos motivos para voltar num lugar tão especial quanto a serra do Cipó.

Embernagra longicauda, localmente conhecido como dando-mole-da-serra

Só me resta agradecer ao grande Fernando Pacheco pelo aprendizado desta breve, porém excelente convivência.

sábado, 9 de maio de 2015

A magnífica Rio Piracicaba: Floresta Encantada

Depois do descobrimento do Brejão do Morro Agudo, vamos falar agora do que motivou essa inesquecível expedição, a surpreendente Floresta Encantada.

A Floresta se estende por dois municípios mineiros, Rio Piracicaba e São Gonçalo do Rio Abaixo, e lá provavelmente é um dos últimos refúgios na região para espécies muito interessantes, várias localmente ameaçadas, como gavião-pega-macaco, falcão-relógio, tapaculo-pintado, chocão-carijó, macuquinho, arapaçu-de-bico-torto,  pomba-amargosa, rabo-branco-pequeno, rabo-branco-rubro, formigueiro-assobiador, borralhara, choquinha-de-dorso-vermelho, trepador-coleira, pavó entre tantas outras, conhecidas e ainda desconhecidas.

Com o time de feras que explorou a Floresta, inclusive em trechos nunca dantes explorados, o resultado não podia ser outro, somamos novas e interessantes espécies à lista.

Mas além das novas espécies observadas, alguns momentos fizeram jus à magia do lugar.

Logo no primeiro dia, na primeira visita dos amigos Eduardo Franco, Fernando Pacheco, Juliano Silva, Roney Souza e Tavinho Moura à Floresta, assim que aportamos em sua parte são gonçalense, um pio "acipitrídico" deixou-nos atônitos!

Entreolhares de espanto e dúvida. Os pios não cessavam e vinham de dois lugares! A euforia, que já era grande, tomou conta de todos quando alguém exclamou: "acho que é um ornatus!!!"

Houve consenso entre os feras, então começou uma busca insana! Assim também me encontrava: achar um ornatus na Floresta Encantada seria loucura total! Loucura maior só encontrando Harpia ou Morphnus.

Depois de subir e descer morro, na adrenalina total, sonhando acordado, uma coisa não me saia da cabeça: tinha que registrá-lo, senão ninguém acreditaria. Eu mesmo, no fundo, vivia um sentimento de ver pra crer. Mas achar aquele bicho na copa fechada da floresta parecia uma tarefa impossível. Ao mesmo tempo que procurava, perguntava para quem estivesse mais próximo: é mesmo o ornatus?! Estava difícil acreditar pra valer, seria bom demais pra ser verdade!

A procura não surtia efeito, o grupo se dividiu e ninguém encontrava nada, estava começando a desanimar, até que o Mestre Pacheco, fazendo uso de um de seus instrumentos de trabalho, habilmente encontrou o bicho!

Assim parece fácil, mas foi incrível como o Fernando achou o bicho


Nunca foi tão frustrante encontrar um Spizaetus tyrannus pousado...

Provavelmente eram dois jovens famintos clamando por comida.

Depois de uma rebordose danada, serviu de consolo certificar-me que os gaviões-pega-macaco estão realmente nidificando na Floresta. Não à toa lá é o melhor lugar que conheço para fotografar essa imponente águia florestal.

O Wagner, que havia se embrenhado na mata atrás do pio, retornou com uma fotaça do jovem, além de provavelmente ter conseguido uma bela gravação de sua vocalização.

No dia seguinte, nada dos jovens(provavelmente alimentados), mas bastou um pouco de playback para um dos pais aparecer nos proporcionando aquele show. Chegou a pousar, mas um tanto longe, as melhores fotos fizemos com ele voando.

O Rei da Floresta

As novas espécies registradas para a Floresta nesta excursão foram: gaturamo-rei, vira-folha, arapaçu-escamado, sabiá-una, pararu-azul, chororó-cinzento. Sendo que estas duas últimas foram lifers pra mim também e exatamente as duas que me faltavam para as 700 espécies de aves brasileiras fotografadas. No finalzinho do segundo tempo, para ficar ainda mais emocionante.

Mas o que me deixou mais feliz, com certeza, foi saber que todos gostaram da nossa excursão.

Poder proporcionar esse encontro de grandes amigos, na minha querida cidade e ainda contar com as participações mais que especiais da águia-cinzenta, do macuquinho-da-várzea, do chororó-cinzento, do rabo-mole do brejo e de tantas outras espécies legais, não tem preço.

Aproveito para agradecer a todos que fizeram desta expedição um sucesso total, aos amigos que nos prestigiaram, ao apoio logístico da minha família e aos nossos colaboradores, que prestaram um ótimo serviço.

Mas antes de finalizar, deixo algo pra vocês.

Antes de acabar toda essa saga, nos últimos momentos na Floresta, prorrogação do segundo tempo, quando alguém ainda poderia achar que faltava alguma magia praquele lugar, uma lenda se fez presente, em duas audíveis notas, deixando um feitiço irresistível, que atrairá muitos a ela, à incrível, à enigmática, à surpreendente: Florestaaaa Encantadaaaaa...

Vira-folha, habitante dos refúgios mais sombrios da Floresta
Rendeira, 10 cm de pura simpatia


Saíra-douradinha, a mais colorida das aves piracicabenses, é encontrada na Floresta e no Brejão 

Beija-flor-de-peito-azul
Há uma grande diversidade de beija-flores na Floresta
A esquiva pararu-azul


O raro chororó-cinzento

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Reflexões dos 700

Ave!

700 lifers!

O que isso significa? Depende... pra uns uma vida, pra outros uma cisma.

A diversidade de formas de entretenimento contida numa passarinhada, creio eu, alçou essa atividade à principal forma de lazer de milhões de pessoas em todo o mundo. Dá pra curtir numa única atividade: trekking, fotografia, ecoturismo, turismo culinário, novas amizades, diferentes culturas, a paz que só a contemplação da natureza pode trazer, entre tantas outras coisas.


Muito mais popular em países ricos(prefiro classificar como "educados", pois a maior pobreza que um país pode ter é a ignorância de seu povo), nos EUA, por exemplo, existe até competição de quem consegue mais lifers, o que, aliás, virou até um estrelado filme: "The Big Year" (se você é birder e ainda não viu, corra para uma locadora).

Vejo gente cismada com isso por aí, criticando os caçadores de lifers. Por que? Não entendo.

Apesar de estarmos em franca ascendência, ainda somos tão poucos no Brasil... E se a gente quer que nossa atividade alcance um maior número de pessoas, em vez de críticas gratuitas, deveríamos enaltecer todas as facetas contidas na observação/fotografia de aves.


A meu ver, não deveríamos sugerir qualquer tipo de animosidade, muito pelo contrário, devemos nos esforçar para nos unirmos, respeitando todos os gostos e valorizando todas as formas de diversão que possamos extrair da nossa atividade.


Vou falar um pouco da minha experiência, a partir de quando comecei a fotografar (um exemplo também de que as coisas podem não ser estanques).


Comecei como um caçador de lifers. Foi aí que peguei o vírus da gripe aviária. Que deliciosa sensação que entorpece os sentidos a cada nova espécie fotografada... Tenho certeza que a grande maioria dos birders da nova geração, aquela que começou com a fotografia a partir do Wikiaves, passou por isso. Ou está assim até hoje... Bem, e daí?! Se isto ainda satisfaz, ótimo!


O que realmente importa é se divertir saudavelmente e de quebra estimular o ecoturismo. Isto é o básico, a partir daí cada um segue o seu caminho.

Agora o que não dá é esperar que todo birder vire um Capitão Planeta ou que tenha que se enquadrar em algum tipo de birder ideal. Uma lição que aprendi a duras penas nessa vida é que não devemos julgar os outros por nós mesmos.


Com o tempo, naturalmente o lifer foi perdendo o exclusivismo das minhas passarinhadas. Mas claro que ainda é uma grande satisfação achar um (que bom, pois não quero perder isso nunca), afinal, a partir dele, outras alegrias começaram a aparecer (mas ainda é um grande prazer fazer listas de lifers a cada lugar visitado).


Um registro de um comportamento, registrar pela primeira vez uma espécie para uma localidade, uma bela foto de uma espécie rara, ou simplesmente uma bela foto. Tudo isso é muito bom!

Pra mim, o simples fato de estar em um lugar selvagem, repleto de possibilidades, já me faz um bem danado.


Bem, a vantagem de você também investir em belas fotos é que de vez em quando a gente é premiado. Os 700 lifers serão marcados por acontecimentos muito felizes em minha vida como fotógrafo.

Quando o seu trabalho é reconhecido e vira produto de divulgação e, consequentemente, de preservação de nossa natureza, você experimenta uma sensação ainda melhor que o entusiasmo dos primeiros lifers. Foi o que aconteceu comigo recentemente quando fui procurado por uma tradicional editora que se interessou por duas fotos minhas, uma do uirapuru e outra do gavião-de-penacho, para ilustrar um material didático de Ciências que será distribuído em todo país.


Poder levar o conhecimento de nossas espécies para as futuras gerações é o maior prêmio que eu poderia receber e agradeço aqui a todos os amigos que de uma forma ou outra me incentivam a vagar pelos nossos sertões atrás de lifers, pois nestes dois casos, fui com esta iniciativa, eram lifers esperadíssimos, o gavião-de-penacho por exemplo era um sonho de infância.


Enorme satisfação também em poder colaborar com trabalhos que divulgam nossa avifauna aqui e lá fora, como no livro do ícone da cultura mineira, o Tavinho Moura, no inédito guia dos irmãos Mello  e na terceira edição do Handbook of Bird Biology, da Cornell (todos previstos para serem publicados ainda este ano).


Bem, a espécie de número 700 foi o chororó-cinzento(Cercomacra brasiliana), ave rara, quase ameaçada de extinção, encontrada pela primeira vez na Floresta Encantada, durante esta última magnífica excursão que estou relatando(falta o último capítulo, justamente referente à Floresta).


Sobre o chororó-cinzento, lê-se no Wikiaves: "Encontrado em poucas localidades do sudeste do Brasil, desde a Bahia central, extremo leste de Minas Gerais e Espítito Santo até o Sul do Rio de Janeiro. É incomum em todos estes locais, geralmente raro. Endêmica do Brasil."


Aliás, quando saí de férias faltavam duas espécies para as 700. Passei antes por Búzios, Serra do Cipó, mas só com os poderes da Floresta Encantada alcancei meu intento, com a pararu-azul(Claravis pretiosa) e o chororó-cinzento.

No próximo post falarei desta última visita à Floresta Encantada, que mais uma vez fez jus ao seu nome.

O chororó-cinzento não costuma facilitar o jogo


quinta-feira, 7 de maio de 2015

A magnífica Rio Piracicaba: Brejão do Morro Agudo

O Brejão já foi apresentado no post anterior, mas conveniente também dizer que ele é cercado, e da também já mencionada estrada de terra é que o acessamos. A estrada o limita de um lado, e do outro o Morro Agudo, onde não há acesso.

A acústica do lugar nos favorece. É um vale, onde tanto o playback (método acústico de atração), quanto a vocalização das aves encontram um "corredor sonoro". Tal condição, somada ao pouco movimento da estrada e à ótima luz, fazem deste lugar um paraíso para fotógrafos de aves que procuram facilidades.

A lista completa de aves que encontramos no Brejão vocês poderão conferir no último post desta saga. Agora vou tentar passar os momentos mais tops que vivemos naquele lugar.

Helmut Sick leciona em sua obra prima, o Ornitologia Brasileira, que o rabo-mole-da-serra (Embernagra longicauda) é um endemismo das chapadas do interior de Minas Gerais e Bahia(ou seja, só existe nestes locais), ocorrendo em altitudes acima de 900 metros. Esta espécie substitui na Serra do Espinhaço o sabiá-do-banhado (Embernagra plantensis), espécie gêmea que, como o próprio nome popular diz, prefere áreas alagadas.

Pois bem, o que dizer então de encontrar um rabo-mole-da-serra num banhado e a 765 metros de altitude? Após várias reuniões entre os eminentes ornitólogos que se encontravam in loco, chegou-se à conclusão de que se trata de uma nova espécie: o rabo-mole-do-brejo! O rabo-mole-da-serra é uma espécie quase ameaçada de extinção, já o rabo-mole-do-brejo tá na tábua da beirada, pois acredita-se que ele só possa existir no magnífico Brejão do Morro Agudo.

Brincadeiras a parte, no Wikiaves há um registro do rabo-mole-da-serra para Rio Piracicaba. Conheci pessoalmente o autor deste registro que me informou que foi feito dentro da área da mina da Vale, provavelmente em altitude maior que a do Brejão. Aliás, do outro lado do Morro Agudo já é área da Vale.

Pesquisando o Wikiaves(site brasileiro de monitoramento voluntário de aves), Rio Piracicaba marca o limite oriental de ocorrência desta interessante espécie no Espinhaço mineiro. São evidências como essa que me fazem acreditar na singularidade de minha cidade natal, onde um braço da Cadeia do Espinhaço adentrou a Mata Atlântica, fazendo com que espécies de altitude como este Embernagra ocorram lado a lado com espécies de florestas úmidas, como a borralhara-assobiadora (Mackenziaena leachii).

Aliás, o Brejão do Morro Agudo é o melhor lugar que conheço para fotografar a borralhara-assobiadora. Bicho que habita "brenhas densas" e apesar de atender bem ao playback, costuma irriquietar-se, o que dificulta ainda mais um bom registro.

Mas a borralhara-assobiadora do brejão veio no playback, pousou fora da brenha e posou por um bom tempo! Uma eternidade para esta espécie.

Borralhara-assobiadora


Rabo-mole do brejo fazendo jus ao seu primeiro nome


Acho que de tanto falar, todos já sabem que desde criança sou aficcionado por aves de rapina. Principalmente tenho um fascínio nato por águias. Já me perguntaram algumas vezes o porquê. Não sei explicar. Talvez tenha um fundo ancestral, quando as cultuávamos como deuses, ou ainda mais longe, quando éramos presas delas. Vai saber... Digo isso para que vocês captem melhor minha emoção.

O fato é que mesmo um local como o Brejão do Morro Agudo sente quando entra uma frente fria e a temperatura despenca. Mas continuamos lá, com a esperança de que as coisas esquentassem.
Na verdade não imaginávamos que a coisa ia pegar fogo!

A adrenalina foi a mil quando percebi que um pequeno bando de gaviões-de-rabo-branco (Geranoaetus albicaudatus) estavam somando forças para combater uma grande águia-cinzenta(Urubitinga coronata)! Eles se revezavam, precipitando contra a segunda maior águia do Brasil, que estava pousada no alto do Morro Agudo!

Lembro-me muito bem: "Uai! Tem alguma coisa estranha acontecendo lá em cima!" Exclamei para o Daniel. "Tem alguns albicaudatus mergulhando em alguma coisa lá! Isso tá esquisito!"

Tava tão longe que quando vi pelo visor da câmera só sabia que se tratava de uma ave de rapina de grande porte, uma águia! Imaginei que fosse uma águia-chilena, pois há uns 10 anos encontrei uma naquele local e mais recentemente registrei outra próxima dali.

Mas qual foi minha alegria quando ao aproximar a imagem no LCD da câmera pude me certificar que se tratava de uma grande águia-cinzenta!

A águia-cinzenta é uma águia campestre que se encontra em perigo de extinção muito devido à perseguição de fazendeiros que a veem como uma ameaça para a criação. Mal sabem eles que ela é uma excelente caçadora de cobras peçonhentas e o benefício de se ter uma ave dessas por perto suplanta em muito algum incidente esporádico com alguma galinha ou algo do tipo.

A foto da identificação
Quando vi o bico negro contrastando com a cera amarelada não tive dúvida 

Momento que o gavião ataca a águia que se encontrava no solo e de costas

Mesma foto que a anterior, com menos crop, mostrando outro albicaudatus se preparando para mais um ataque


Particularmente este foi um dos maiores momentos em cerca de 30 anos observando aves de rapina.
Encontrar uma águia-cinzenta na minha cidade já seria a realização de um antigo sonho, aliás, já houve época que imaginava ser impossível tal feito. Então encontrá-la num flagrante tão legal e numa excursão tão magnífica foi surreal!

Agora, em termos ornitológicos, uma outra "descoberta" conseguiu superar esta da águia-cinzenta.

Há alguns anos o Juliano Silva, ornitólogo com grande atuação na região, me disse sobre a possibilidade de ocorrência do macuquinho-da-várzea (Scytalopus iraiensis) em Rio Piracicaba. Sugeriu-me para procurá-lo em áreas alagadas preservadas da cidade. Aliás, foi assim que "descobri" a Floresta Encantada, procurando este rhinocryptídeo em um brejo próximo.

Bem, procurei em alguns lugares propícios mas nunca o encontrei. Pensava mesmo que seria impossível encontrá-lo na minha cidade, pois os locais onde sabia que ele foi encontrado em Minas eram no alto de serras, como Cipó, Caraça e Moeda. E a mineração já fez seu trabalho nas áreas piracicabenses análogas.

O Juliano teve que ir embora um pouco antes do término dos trabalhos, mas no dia anterior ele tinha ouvido ao longe uma vocalização que poderia ser a do dito cujo. Tentamos um pouco de playback mas nada, apesar do iraiensis responder bem ao seu chamado.
Mais uma daquelas dúvidas insondáveis.

No dia seguinte o Juliano e o Roney tiveram que partir depois do almoço enquanto nós partimos para o Brejão em nossa última visita.

Mais um dia um pouco frio e nublado, com menos atividade que o primeiro dia em que os bichos pareciam brotar do chão. Porém, mais uma vez encontramos espécies fantásticas como EmbernagraMackenziaena e Donascopiza. Mas o grand finale do Brejão estava por vir.

Quem encontramos lá? Nenhuma dúvida, o macuquinho-da-várzea!

Eu estava do lado do Eduardo quando ele me disse que o mato estava mexendo. Como ele conhecia bem o bicho, de Moeda, onde é guia, foi logo exclamando "é ele!"

Como sempre o bicho não sai da moita nem dá as caras, o máximo que consegui foi ver um pedaço de sua cabeça, apesar de estar há um metro dele. Mas a gravação está de prova, encontramos o macuquinho-da-várzea em Rio Piracicaba!
http://www.wikiaves.com.br/1683413&p=1&tm=s&t=c&c=3155702&s=10987

O macuquinho-da-várzea é uma espécie que foi "descoberta" somente em 1998, encontra-se em perigo de extinção devido à destruição de seu habitat. No mapa abaixo, extraído do Wikiaves, os locais onde ele já foi registrado por observadores e ornitólogos colaboradores. O ponto azul é recente, refere-se à mais nova localidade onde ele foi registrado: a magnífica Rio Piracicaba!








quarta-feira, 6 de maio de 2015

A magnífica Rio Piracicaba!

Ave!

Tudo começou em outubro do ano passado, quando durante nossa viagem à Alta Floresta/MT, o Tavinho Moura manifestou sua vontade de conhecer a Floresta Encantada - mata boa de bicho que se estende pelos municípios mineiros de Rio Piracicaba e São Gonçalo do Rio Abaixo, e que vem me surpreendendo desde sua descoberta.

Mais uma vez os astros se alinharam, permitindo que aquela ideia inicial se transformasse na maior de todas as excursões realizadas em Rio Piracicaba/MG.

Sabemos que o sucesso de uma excursão ornitológica depende em grande parte das aves, mas claro que sem a seleção que se reuniu em Piracity (como carinhosamente Rio Piracicaba é chamada pelos jequizeiros mais descolados), não teríamos alcançado o resultado conquistado, que, diga-se de passagem, superou as melhores expectativas.

Nesta excursão (a quarta, desde a descoberta da Floresta), além, é claro, do ícone da cultura mineira e profundo conhecedor de nossa natureza, Tavinho Moura, contamos com um timaço de feras da ornitologia brasileira: Wagner Nogueira, Juliano Silva, Roney Souza, Eduardo Franco e Daniel Esser.

E por uma feliz coincidência, tivemos o privilégio de contar com a ilustre presença do renomado ornitólogo Fernando Pacheco, diretor do Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos e membro do South American Classification Committee, que, dentre sua vasta obra científica, podemos destacar a coordenação da Bíblia das aves do Brasil, o Ornitologia Brasileira, do Helmut Sick e a descoberta/descrição de várias espécies de aves brasileiras, já sendo até homenageado com uma espécie de ave que recebeu seu nome, o Scytalopus pachecoi.

Aliás, justíssima homenagem, haja vista a dedicação de praticamente uma vida inteira destinada à ornitologia brasileira, passando por todo tipo de adversidade, para que hoje nós tenhamos acesso, do conforto de nossas casas, a um maior conhecimento de nossa avifauna.
Só isto já bastaria para eu ser grato ao Fernando, mas particularmente tenho mais motivos de gratidão, pois assim que me mudei para o Rio de Janeiro, o Fernando me recepcionou muito bem, convidando-me a fazer parte da comunidade de birders daqui.

Bem, e qual foi a feliz coincidência? Termos marcado uma excursão à serra do Cipó logo antes da excursão à Rio Piracicaba, o que propiciou a ida do Mestre a terras jequizeiras. A excursão ao Cipó foi muito boa e será objeto de um futuro post, mas a de Piracity foi mais que excelente, foi magnífica, usando da feliz classificação do futuro ornitólogo Roney Souza.

Outro agradecimento que tenho que fazer é à Companhia Vale, pois graças ao cancelamento de última hora de seu trem de passageiros, “descobrimos” um lugar que protagonizou os maiores momentos desta excursão (mas não se enganem, a Floresta Encantada continuou nos surpreendendo também): o "Brejão do Morro Agudo".

O mais interessante é que o tal brejo é caminho da roça nosso, pois passamos nele para ir ao sítio do meu padrasto, um lugar que tem um astral muito massa e onde já observei Spizaetus melanoleucus e lobo-guará, além de dois testemunhos de onça-parda. E esta mesma estrada que passa pelo Brejão e pelo sítio termina na BR 381, onde, na última hora, propus pegá-la para sairmos da "rodovia da morte" e de quebra começarmos nosso levantamento da avifauna da região. 

Estávamos eu, o Edu, o Fernando e o Tavinho e foi unânime a decisão de sairmos da BR, pegando o atalho "de terra" proposto. Assim conhecemos o Brejão do Morro Agudo. 

Claro que eu já conhecia o lugar, ali minha avó D. Naná nascera há 86 anos atrás. O Morro Agudo já foi até visitado por um dos maiores ornitólogos de todos os tempos, o grande Olivério Pinto, na década de 40. Tudo parecia conspirar para estarmos naquele local tão significativo para mim. 

Alguém poderia me questionar como nunca havia percebido o potencial daquele lugar apesar de passar sempre por ali. Simples, a área do entorno do brejo é muito degradada, muito eucalipto de um lado, e do outro o Morro Agudo, que devido à mineração, virou um morro achatado. 

Nunca me passou pela cabeça que poderia encontrar tantas espécies fantásticas naquele lugar tão explorado.

Rs, quanta ignorância minha! O Wagner me explicou que a vegetação daquela grande área encharcada, que serpenteia os pés do Morro Agudo, é original, idêntica à das áreas de conservação em que ele trabalhou em Ouro Preto. O fato é que, quando passamos por aquele lugar, havia tal quantidade de bichos que parecia que brotavam do chão, só vi algo parecido no pantanal matogrossense! 

Bem, o que encontramos lá serão cenas do próximo capítulo, mas posso lhes adiantar, foi magnífico!

Em pé: Juliano, eu, Tavinho, Roney e Eduardo
Sentados: Fernando, Daniel e Wagner
Juliano Silva e Roney Souza em ação na Floresta Encantada
Esta e a foto acima foram gentilmente cedidas por Eduardo Franco
Fernando Pacheco e Eduardo Franco no Brejão do Morro Agudo

Agradeço imensamente a companhia e ajuda dos amigos que muito somaram para esta magnífica excursão!