domingo, 12 de fevereiro de 2023

Iberá, hasta la vista

 Ave amigos!

Saímos o mais cedo possível atrás do caboclinho-do-pantanal, o caboclinho descrito somente em 2016 pela ciência e uma das espécies mais cobiçadas por observadores brasileiros. 

Seu nome científico, Sporophila iberaiensis, significa amigo das sementes de Iberá. No Brasil há pouquíssimos registros no pantanal. 

Sou leigo, mas parece que ele é o caboclinho mais difícil de encontrar, não a toa fomos alertados pelo Ricardo Oliveira para nos concentrarmos em sua busca. Realmente, só o encontramos no local onde os amigos indicaram. 



O caboclinho mais comum em Iberá apresenta esse padrão avermelhado por baixo e acinzentado por cima. Três espécies (em Iberá) possuem tal padrão, o de barriga vermelha, o de sobre ferrugem e o de chapéu cinzento, sendo esse último mais fácil de distinguir graças à maior predominância do vermelho. 

Esse da foto acima foi o primeiro que encontramos nesse dia, creio que seja um caboclinho-de-barriga-vermelha, que aliás me pareceu o caboclinho mais comum daquelas paragens.

Mas a dica dos amigos Ricardo e Fernando facilitou e muito nosso trabalho. O próximo caboclinho encontrado foi o raríssimo iberaiensis, para "fechar com chave de ouro" uma das melhores viagens de nossas vidas.


Esse foi meu primeiro registro dele, foto sem crop, com uma 500mm + TC de 2x, só para vocês terem uma ideia da dificuldade que é conseguir uma boa aproximação. 
Na primeira tentativa de nos aproximarmos um pouco mais, o bicho simplesmente bateu asas para local longínquo, incerto e ignorado (lembrando que o playback e nada era a mesma coisa).

Crop da foto acima 

Conquistado o almejado lifer, partimos então para a tentativa do "melhoralifer".

Seguindo a direção do voo, íamos fotografando o que de interessante achávamos. 

Nessa nossa atividade os meios são tão bons quanto os fins.



Bichoita


Gavião-cinza, sempre de passagem (rápida)




Essa cena nos encanta por sua "humanidade". 

O autoconhecimento é uma das disciplinas que aprendemos com a mãe-natureza. 

Nossas origens estão lá, gravadas em inúmeros comportamentos que adquirimos a milênios, quando lutávamos perante as forças naturais por nossa sobrevivência.

Muito se fala da necessidade de melhorarmos nosso "grau civilizatório"... 

Precisamos virar definitivamente a página da animalidade acumuladora para a da humanidade sustentável. Deixarmos de viver competindo pelos recursos do planeta para trabalhar para que todos os seres humanos possam ter condições dignas de sobrevivência, de forma sustentável.

Como podemos privar nossos descendentes das maravilhas da Natureza? Como podemos deixar nossos irmãos morrerem de fome em pleno século XXI?! Somos maus ou imbecis?


Céu de Iberá


Depois de refletir sobre o que estamos fazendo nesse e desse mundo, reencontramos o caboclinho-do-pantanal e dessa vez conseguimos nos aproximar um pouco mais.



Mas rapidinho partiu para o longínquo e incerto.




E também mais uma vez tivemos o prazer de reencontrar o caboclinho-de-papo-branco. 




Eita bichim bunito da peste!!!



À tarde fomos num local diferente, em busca de socoís, principalmente. Não encontramos nenhum, mas a Natureza sempre nos brinda com belas aves e imagens.

Graveteiro






Com algumas exceções, a avifauna em Iberá é bastante familiar


Fêmea do cervo-do-pantanal, mamífero relativamente comum em Iberá


O extraordinário cardeal-do-banhado






E essa foi a última cena de nossa inolvidável expedição Espinilho/Iberá. Despedimo-nos com a certeza de que algum dia voltaremos. 

Hasta la vista, tchê!


sábado, 11 de fevereiro de 2023

Iberá, segunda parte

Ave!

No verão, o sol em Iberá acorda bem cedo e dorme muito tarde. Viajando há quase uma semana, em ritmo acelerado, o cansaço bate e então começamos a sair um pouco mais tarde do que o de costume, o que não atrapalhou em nada nossos planos. Afinal, chegando ao meio século de idade, o motor começa a perder potência.

O segundo dia de passarinhadas em Iberá foi magnífico, como o primeiro.

A caminho do local onde o grande Fernando Farias tinha encontrado, no dia anterior, o cardeal-amarelo e o pica-pau-de-testa-branca (mais uma vez agradeço demais, meu amigo!), paramos pra fotografar bando de caboclinhos e um sabiá-do-banhado (na hora confesso que não tinha certeza de qual espécie se tratava) que estava "dando mole". 



Casal de caboclinhos-de-chapéu-cinzento




O Fernando havia nos alertado que Sporophila iberaiensis, o recém-descrito caboclinho-do-pantanal, estava acompanhando os bandos de caboclinhos que se formaram com o nascimento dos filhotes. Ele já o havia encontrado no local onde o grande Ricardo Oliveira nos havia indicado também. De qualquer forma sempre procurávamos o caboclinho de Iberá, a cada bando encontrado.



A parada é obrigatória quando se trata desse bicho fantástico


Após mais uma parada pra fotografar a grande estrela de Iberá, chegamos ao local indicado, uma estrada secundária que atravessava áreas de espinilho. 

Bastou segundos de playback num ponto dessa estrada que achei propício para que um casal de cardeais-amarelos se apresentasse. 








Tranquilos, não se importavam com nossa presença e pudemos passar momentos inolvidáveis com a rara e graciosa dupla.








Ainda extasiados com o show daquelas magníficas aves, encontramos mais um festejado lifer, o pica-pau-de-testa-branca. 



Assim como o raro pica-pau-de-barriga-preta, esse pica-pau só ocorre, em terras tupiniquins,  no oeste gaúcho e no Pantanal.




Felizes da vida, seguimos para o local onde o Roberto Guller nos informou que havia o belo e raro pica-pau-de-barriga-preta, a Estância Rincon del Socorro, um resort muito pitoresco, dentro da área do parque nacional, que parece aqueles de filmes antigos de safaris africanos. 

Chegamos vibrando numa energia ótima e o lugar também vibrava muito positivamente. Esse segundo dia estava como o primeiro, positive vibration yeah!

A foto do quadro foi tirada em Iberá


Fomos muito bem recebidos pelo pessoal da Estância, e também por seus vizinhos.











Com um funcionário do hotel, pegamos uma dica de local onde ele costumava ver o raro pica-pau, mas sempre de passagem, nos alertou. 

O ponto consistia em poucas árvores que ficavam nos limites da área construída do hotel, mas lá acabamos encontrando "somente" um ninho ativo do pica-pau-de-testa-branca. 


Vale lembrar que as savanas dominam as paisagens do parque e que qualquer concentração de árvores é uma área em potencial para encontrar o grande picídeo.

Foi assim que, pesquisando por imagens de satélite, chegamos a uma área com uma boa concentração de árvores e lá tentamos o playback.

Uma, duas, três vezes. 

Algumas experiências passadas com outros picídeos do mesmo gênero (Campephilus) não foram muito animadoras. Muitas vezes só conseguimos ouvir uma resposta longínqua. Ademais, o uso do método tradicional de atração, numa época que os pais estão cuidando dos filhotes, praticamente não passa de tentativa desesperada de conseguir o tão sonhado lifer.

Já havíamos desistido de procurar naquele ponto que parecia ser promissor e, retornando ao carro, bem ao seu lado, uma peitica-de-chapéu-preto, na altura dos olhos, nos atrasou a partida.



Havíamos encontrado várias dessas peiticas nessa viagem. Nessa época, como muitas outras espécies, elas migram ao sul de sua área de invernagem para se reproduzirem. Já havia fotografado outras no RS, mas essa estava numa condição muito boa e foi graças a isso que conseguimos um dos bichos mais difíceis da expedição Espinilho/Iberá.

Quando já estávamos para entrar no carro, um, dois, três bichos passaram como flechas sobre nossas cabeças e pousaram numa grande árvore mais adelante.

"São eles!!!" Sussurrei com um grito abafado!  

Adrenalina a mil, indo o mais rápido e suave possível em direção à emergente, imaginando que, como seus congêneres, eles seriam ariscos e poderiam sumir como apareceram, sem aviso prévio.

Usando a velha e cautelosa técnica de fotografar e ir aproximando bem devagar, depois de dezenas de fotos e algumas paradas, chegamos bem próximos e notamos que eles eram mansos, muito mansos!... Aliás, como quase todos os bichos daquele magnífico santuário ecológico argentino.

Então ficávamos rodeando a árvore em busca do melhor ângulo, da melhor luz (mas não teve como fugir do terrível fundo claro). 

Conversávamos entusiasticamente, e até com eles, tal a euforia em vivenciarmos aquele momento com um casal de pica-paus-de-barriga-preta e sua jovem filha, brincalhona e serelepe.

Um bicho que até o grande Raphael Kurz, requisitado guia do RS, elege como um dos mais difíceis, contando com pouquíssimos registros no Wikiaves.









Papai pica-pau

A matriarca

Jovem fêmea

Campephilus leucopogon, um dos pica-paus mais belos e raros que já pude contemplar




Após um almoço tipicamente argentino sem precedentes e uma sesta em profunda conexão com a Natureza, despedimo-nos daquele lugar fantástico que certamente deixará as melhores marcas nos nossos espíritos. 




Recomendadíssimo!!!


No retorno ainda pudemos fazer, de dentro do carro, alguns registros legais do caboclinho-de-papo-branco. 









Sempre os encontramos se alimentando. Será que já se preparavam para a longa jornada rumo ao norte?




Difícil eleger qual caboclinho é o mais bonito, mas esse disputa o primeiro lugar.


A expedição continua e com a missão mais difícil, "encontrar uma agulha no palheiro", nos dizeres do amigo Ricardo Oliveira.

PS: muitos amigos estão me reportando que não conseguem comentar, infelizmente não tenho domínio sobre isso, caso queiram comentar na publicação que fiz desse post no face: https://www.facebook.com/joaosergiobarros/ 

terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

Iberá, um paraíso argentino

 Ave amigos!

O Parque Nacional de Iberá, localizado na província de Corrientes, no nordeste da Argentina, possui mais de 195 mil hectares e está inserido na Reserva Natural Iberá, com 1.300.000 hectares, sendo a segunda maior área úmida do mundo, só perdendo para o nosso Pantanal.

Formado principalmente por extensos campos naturais, áreas úmidas e de "espinilho", o Parque Nacional de Iberá possui espécies raras e típicas desses ecossistemas, como a tesoura-do-campo e o cardeal-amarelo, dentre as mais de 360 aves catalogadas.

A mastofauna também se destaca, o ameaçado cervo-do-pantanal (Blastocerus dichotomus) é relativamente comum naquele refúgio ecológico e parece não se incomodar com nossa presença. Também encontramos dois lobos-guarás (Chrysocyon brachyurus), espécie quase ameaçada de extinção, muitos veados (provavelmente catingueiros e campeiros), capivaras, preás, catetos e infelizmente um mão-pelada e um ratão-do-banhado atropelados na estrada que margeia o parque e que dá acesso à Colonia Carlos Pellegrini, principal povoamento da região e que nos serviu de base.

Aproveito para deixar aqui meus sinceros agradecimentos aos hermanos Roberto Guller, grande fotógrafo de Natureza argentino, autor de vários livros sobre a fauna do nosso país-irmão, e Jorge La Grotteria, do excelente site (top 5 no Birding Top 1000) https://www.ecoregistros.org/site/index.php. Suas informações foram fundamentais, haja vista que não fomos com guia. 





Laguna Iberá






Após 240 km de estrada (lembrando que saímos de Uruguaiana), sendo boa parte de terra, chegamos em nossa pousada. 




Mas, no caminho, já tivemos uma pequena amostra do que nos aguardava. O dia já findava quando encontramos duas espécies ícones do "pantanal argentino", o cervo-do-pantanal e a rainha de Iberá, a incrível tesoura-do-campo (Alectrurus risora), que ilustra o logo do parque e o portal de boas vindas.


Bicho imponente!




Bicho surreal!!!


Notem a arte da tesoura-do-campo acima do letreiro do Portal Laguna Iberá 


Levantamos junto com o sol e partimos em busca da rainha de Iberá para melhorarmos nosso registro do dia anterior, feito já com pouca luz. Mas o primeiro bicho que encontramos foi outro ícone do parque, o aguará guazú.

Manso...


Em seguida, a emoção ficou por conta do encontro com fêmeas (e jovens?) da tesoura-do-campo. Legal frisar que no Brasil temos pouquíssimos registros dessa sp e somente um do macho, feito em Foz do Iguaçu, divisa com Argentina, em julho de 2020 (fonte Wikiaves). 

Creio ser um jovem, já era época deles, havia muitos jovens de várias espécies


Fêmea de yetapá de collar






Continuamos a busca pelo fantástico macho. De dentro do carro íamos "escaneando" aqueles infindáveis campos, atrás de um par de penas esvoaçantes.



Esse belíssimo cardeal pousado à beira da estrada nos obrigou a um "clickstop"

O próximo passarinho interessante que pintou, um caboclinho-de-barriga-vermelha (e carrapato no papo)


Esse jovem falcão-de-coleira me intrigou ao pousar na estrada, só fazendo esse post notei que estava engolindo um cascalho (provavelmente para ajudar na digestão)


Iberá é o paraíso dos caboclinhos, não a toa foi recentemente descrita uma nova sp desse pequeno passarinho naquelas paragens, o Sporophila iberaiensis, que inclusive se tornou um dos bichos mais tops de lá.

A próxima parada foi com o ameaçado caboclinho-de-papo-branco, um dos mais comuns em Iberá (o tico-tico-do-banhado só notei quando baixei as fotos)


Meados de dezembro é uma ótima época pra fotografar a tesoura-do-campo, mas nem tanto os caboclinhos, que, já com filhotes, não atendiam mais ao playback.


Esse gavião-cinza, lifer muito esperado (e festejado), sumiu como apareceu, muito rápido


O caboclinho-de-papo-branco, um dos meus preferidos, pintou novamente mais adelante, mas sempre bem arisco



Esse jovem tipio já "deu mole"


O próximo caboclinho "a dar as caras" foi o de chapéu-cinzento
Esses caboclinhos são bunitinhos demais da conta, sô!



Iberá é um importante refúgio também para a "caboclada".

Muitos caboclinhos estão ameaçados de extinção devido à destruição do habitat. Os milhares de hectares preservados do parque nacional são importante sítio reprodutivo para várias espécies desses pequenos e graciosos passarinhos.

Campos naturais a perder de vista



Nossa busca pela grande estrela de Iberá continuava, enquanto a ansiedade aumentava. 

No dia anterior tinha sido fácil demais encontrá-lo, mas no dia seguinte nada do bicho, contrariando nossas expectativas.

Bandos de caboclinhos passavam em vários momentos na estrada, então começamos a ignorá-los para manter o foco. 

 Aquela busca acirrava nossos apetites. Não dizem que o melhor tempero é a fome?...

Imaginem então nossa emoção quando detectamos aquela silhueta ímpar sobre o capinzal!!!

Acostumados com estereótipos comuns, típicos, aquela silhueta diferente de tudo que já tínhamos visto, na primeira viagem fora do país feita exclusivamente para passarinhar, realmente é algo que ficará marcado pra sempre em nossa memória. 











E com direito ainda a display, digno de sua singularidade


Após o display, o macho pousou nesse ponto. Seria alguma espécie de harém?!







Depois de vivenciarmos momentos extasiantes com essa espécie incrível, continuamos nossa jornada em busca da rica fauna de Iberá. E não demorou muito para encontrarmos outro caboclinho fantástico, lifer muito aguardado.

Caboclinho-de-sobre-ferrugem



Já de volta, na entrada da Colonia, no entorno do Portal Laguna Iberá, um dos quatro portais do parque, encontramos essa belíssima gralha-picaça e assim finalizamos a primeira fantástica manhã em terras argentinas. 





Depois de um imprescindível descanso pós almoço, principalmente por causa do forte calor que se repetia também em Iberá, fomos explorar a mata ciliar da Laguna Iberá, enorme lago que fica às margens e dá um charme especial à Colonia Carlos Pellegrini. 

Sua vegetação ciliar lembra muito as matas de galeria do nosso Cerrado, lá tivemos o prazer de reencontrar dois velhos conhecidos.


Aspecto da vegetação ciliar



Tico-tico-rei



O sempre impressionante arapaçu-beija-flor



À tarde geralmente a atividade das aves é bem menor e tendo em vista o calor e o cansaço que o tempo vai nos infligindo, nos demos por satisfeitos e finalizamos esse primeiro dia inolvidável em Iberá.


A manhã do dia seguinte seria dedicada principalmente ao raríssimo cardeal-amarelo e a alguns pica-paus tops de lá. Inté então.