terça-feira, 9 de maio de 2017

Histórias do PARNA Lagoa do Peixe - o poder da Barra

Ave amigos!

Como já predizia, grandes forças da natureza modificam a paisagem do PARNA, provocando perigosas e até mesmo fatais armadilhas.

No que toca ao bicho-homem, não raramente vemos carros atolados na areia, mesmo de nativos acostumados com o lugar. Como os fortes ventos transportam a areia incessantemente, um caminho que ontem era seguro, hoje pode virar uma terrível armadilha. Pudemos testemunhar e até ajudar num caso de atolamento de uma picape de um nativo, graças à generosidade e perícia de nosso motorista de então, o Oseas.

De um dia pro outro aparecem verdadeiros quebra-molas naturais na praia sem fim que dá acesso à Barra. Tal praia funciona como estrada para jipeiros, locais e até birders, que apesar de minoria, vem transformando o PARNA num local obrigatório para observação, principalmente de espécies migratórias.

Mas naturalmente nosso foco são outros bichos, os de penas, e hoje também falaremos dos de escamas.

O maior point dos emplumados na Lagoa do Peixe é a Barra, local auspicioso onde a lagoa se encontra com o mar.

No vai e vem das águas, ditado pelas marés, flagramos uma grande quantidade de peixes, entre moribundos e mortos, numa grande poça criada com o recuo das águas que ligam a lagoa ao mar.

Perguntávamos o porquê de não haver nenhum bicho se alimentando daqueles peixes
Mas poucas horas depois carcarás já se banqueteavam


Tal situação comprovaria, mais uma vez, o que testemunhamos na véspera, ali mesmo, na Barra. Essa Lagoa só podia ser do Peixe mesmo... com tantos predadores ainda inúmeros morriam naquela triste, mas natural cena. 

No dia anterior flagramos o que talvez seja o maior frenesi alimentar que já presenciei, um grande espetáculo natural! Incontáveis biguás capturavam com extrema facilidade os peixes que deveriam disputar espaço nas águas rasas da Barra. Gaivotas sobrevoavam os biguás rapinando-lhes o pescado. Algumas pescavam por conta própria, para tanto bastavam mergulhar seus bicos, em pleno voo, e pinçar os que estavam sob a flor d’água, mas eram a exceção, a maioria preferia furtar os biguás que, devido à abundância de peixes, ignoravam as gaivotas e continuavam o fácil banquete.

De dentro do carro mesmo fiz alguns registros, mas a cena era tão espetacular (e pedia uma distância focal menor para captar melhor a grandiosidade daquela visão) que preferi somente observar, embasbacado.


A lente fixa de grande distância focal às vezes nos engessa


Biguás em revoada
No dia seguinte ao frenesi a concentração de biguás era surpreendente

A abundância (tanto de aves, quanto de azul) da Barra da Lagoa do Peixe proporciona belas imagens: 






A Barra talvez seja o melhor lugar para observar flamingos-chilenos no Brasil

Os belíssimos flamingos-chilenos são atração à parte


Pescadores nativos, que já viviam ali antes da criação do PARNA, ainda podem se beneficiar de sua abundância

Rynchops niger



Bem amigos, é isso, a Barra é tudo isso e muito mais! Espero que esse breve relato sirva de convite para quem ainda não teve o prazer de vivenciar este lugar fantástico.

sexta-feira, 5 de maio de 2017

PARNA Lagoa do Peixe mutante

Tudo muda, o tempo todo, no Parque Nacional da Lagoa do Peixe.

Tanto geográfica, quanto biologicamente falando, e especialmente no que toca à avifauna.

O incessante movimento das dunas e das águas, ao sabor dos ventos e das marés, modifica incessantemente a paisagem, ocasionando armadilhas tanto para a fauna, quanto para o bicho-homem (falaremos sobre isso oportunamente).

As dunas são uma das várias paisagens magníficas do PARNA


Para quem procura registrar as espécies que ocorrem naquelas planícies alagadas (que parecem infinitas aos nossos olhos), e, principalmente, em todo seu esplendor, precisa fazer pelo menos duas viagens em épocas distintas.


As aves costumam se adornar para a reprodução (qualquer semelhança com a espécie humana não é mera coincidência). Tornando-se mais belas, atrativas, têm mais chances de alcançar o clímax reclamado pelo seu instinto sexual.

Elas geralmente costumam se reproduzir nos meses mais quentes (primavera/verão), quando há mais oferta de alimento e, por conseguinte, melhores condições de prover suas crias.

A questão é que o complexo marítimo/lacustre do PARNA abriga tanto espécies que se reproduzem no hemisfério Norte, quanto as que se reproduzem no Sul.

Esta época em particular é muito boa porque estamos num período de transição. Achamos tanto espécies que estão chegando, fugindo de áreas mais frias ao sul do nosso continente, quanto as que estão partindo, para a reprodução durante a primavera/verão da América do Norte.

Interessante foi notar a plumagem de reprodução já formada em alguns espécimes dos vários bandos que encontramos, indicando assim o clamor da natureza a impelir aqueles bravos viajores rumo ao extremo norte do continente americano, numa hercúlea viagem que somente os mais fortes sobreviverão.

Por outro lado, espécies residentes e as que estão chegando das áreas mais austrais do continente encontram-se em descanso reprodutivo (período que sucede a reprodução). Neste período as aves vão perdendo o interesse pelo playback, assim como suas plumagens "de festa".

Um caso que bem ilustra o que acabo de dizer é o da espécie mais extraordinária (na minha opinião) que ocorre no PARNA, o papa-piri.

Nosso guia, o excelente Rafael Fortes, nos alertou que a grande maioria dos espécimes ultimamente encontrados já não possuíam o mesmo viço dos áureos tempos reprodutivos ou eram os imaturos da última temporada.

Certo é que envidamos todos os esforços para conseguir um registro que fizesse altura à beleza dessa espécie, mas a conjuntura desfavorável prevaleceu e esta foi a melhor foto que consegui:

Mais um pequeno grande motivo para voltar no vigor primaveril
Às margens da gigantesca Laguna dos Patos, um grande juncal abriga vários territórios de Tachuris rubrigastra
   
Dos recém-chegados tivemos sorte com a calhandra-de-três-rabos, que já havia se estabelecido no mesmo ponto de sempre, ao contrário do colegial, que além de não ter território fixo, não responde ao playback. Sua foto foi uma clássica "de lifer", já a calhandra deu show!

Mimus triurus

Em voo, faz jus ao nome

São várias espécies que se reproduzem no sul do continente e chegam até o PARNA fugindo do rigoroso inverno austral, outra que registramos foi a ameaçada gaivota-de-rabo-preto:


Único exemplar encontrado de Larus atlanticus, graças à expertise do Rafael Fortes que conseguiu diferenciá-lo dos inúmeros gaivotões

 Outra gaivota que encontramos com sua plumagem de descanso (menos bela) foi a maria-velha:

Chroicocephalus maculipennis

O mesmo PARNA que provê os famintos recém-chegados, fornece as necessárias reservas de gordura aos nossos pequenos grandes recordistas. Alguns maçaricos, que na última primavera também chegavam àquela terra de fartura, começavam a vestir suas vistosas plumagens de reprodução e a se preparar para a grande viagem.

Calma pessoal, tem alimento pra todos


Vira-pedras quase "a ponto de bala"


O vai-e-vem anual das aves e seus respectivos ciclos biológicos podem ser apreciados no Parque Nacional da Lagoa do Peixe
O PARNA Lagoa do Peixe é o local que conheci onde pude melhor vivenciar o espírito dinâmico da natureza, apesar do pouco tempo em que lá estive. E tenho certeza que quando retornar, em alguma primavera, terei a mesma primeira impressão: de estar pisando noutro mundo.

quinta-feira, 4 de maio de 2017

Histórias do PARNA Lagoa do Peixe - Uma pequena grande surpresa

O Rafael Fortes havia avisado que o PARNA Lagoa do Peixe costuma proporcionar algumas surpresas, creio que por causa de sua grande vocação de sempre receber tão bem nossos heroicos viajores alados. E, para nossa sorte, desta vez não foi diferente!

Estávamos atravessando uma área do Parque, localizada em Mostardas/RS, na brava Defender do grande Marinésio, que além de ótimo piloto é um grande observador de aves, quando o Rafael alertou para um cochicho numa excelente condição para fotos. Afinado com o Rafael, o Marinésio logo deu ré, mas antes mesmo de conseguir ver o tal do cochicho, o Rafael, com sua grande experiência da avifauna local, percebeu um pequeno passarinho diferente de tudo que ele já tinha visto no PARNA. Seu espanto nos contagiou e saímos do carro cheios de expectativas com a desconhecida novidade.

Enquanto fotografávamos o simpático tiranídeo, especulávamos. Na minha tradicional ignorância perguntei várias vezes se não poderia ser um tricolino jovem ou até mesmo um amarelinho do junco imaturo, meio que duvidando só para realçar o gostinho da possível descoberta, pois no fundo acreditava numa deliciosa novidade, já que nem o experiente Rafael reconheceu o bicho.

Para temperar ainda mais nossas expectativas, o também experiente guia gaúcho Adrian Rupp havia nos dito, num daqueles prazerosos jantares em Tavares, que haviam registrado recentemente uma nova espécie para o Brasil naqueles imensos campos alagados que não nos cansávamos de percorrer.

A ansiedade só aumentava à medida que íamos conseguindo ótimas fotos do bicho. Até que o grande Rafael conseguiu uma gravação e nos tranquilizou quanto à certeza de identificarmos a enigmática espécie, seja ela qual fosse.

Seguimos rumo ao restaurante onde almoçaríamos, especulando sobre as possibilidades, mas ainda antes de nos deliciarmos com uma maravilhosa tainha o Rafael conseguiu matar a charada. Confirmado através do confronto da vocalização gravada, a nova espécie para o PARNA, pelo menos no Wikiaves, era o raro papa-moscas-canela (Polystictus pectoralis), lifer não só para mim e para o grande Rudimar Griesang, quanto para o experiente Rafael Fortes.


Uma daquelas coisas que deixa nossa atividade ainda mais fascinante.

Polystictus pectoralis


A forte cerração deixava as paisagens verdejantes ainda mais pitorescas

quarta-feira, 3 de maio de 2017

Histórias do PARNA Lagoa do Peixe - Um pequeno grande viajor

O mundo das aves é magnífico! Muitas vezes ficamos embasbacados com suas proezas. Entre tantas uma das que mais se destaca é sua capacidade de percorrer grandes distâncias.

As migrações que algumas pequenas aves realizam beira o inacreditável! Mas há provas incontestes dessas façanhas, sendo que pude fazer parte de uma delas, algo que realmente me causou grande satisfação. Aproveito para agradecer aqui o Alfredo Rocchi, colega uruguaio que tive o prazer em conhecer nesta viagem e que me apresentou um site no qual podemos colaborar com o estudo sobre a migração das aves.

O grande Rafael Fortes, dos mais prestigiados guias do Brasil que nos guiou com maestria nessa viagem, com seu olhar sempre super atento, notou que um dos maçaricos-de-papo-vermelho (da ameaçada subespécie rufa) que encontramos em um pequeno bando estava anilhado e sugeriu o registro, que fiz sem bobear.

Calidris canutus com a anilha verde-clara que significa que este maçarico foi anilhado nos EUA


     Foi num dos divertidos encontros que realizávamos durante o jantar (que diga-se de passagem contou com dois outros grandes guias, Geiser Trivelato e Adrian Eisen Rupp) que o Alfredo Rocchi, sabendo do nosso encontro com o maçarico anilhado, sugeriu que o adicionássemos no site http://www.bandedbirds.org/, contribuindo assim para o estudo dessa espécie.

Antes de incluirmos o nosso registro, este espécime só havia sido registrado nos EUA e no norte do Canadá (área de reprodução da sp.), conforme este mapa extraído do supracitado site:


Após a inclusão do nosso registro ficou assim:



Eles chegam até o sul da Argentina! Que inclusive é um dos principais pontos de invernada dessa sp. Conforme os dados constantes no site, este maçarico foi anilhado em 2004 nos EUA. Dá pra imaginar quantos milhares de km já "rodados" por esta ave de pouco mais de 20 cm?! No mínimo uns 250.000 km! Outro dado interessante é que eles param muito pouco para se alimentar durante essa longa jornada.

Segue mais informações do maçarico-de-papo-vermelho extraídas do Wikiaves:

"Existem 5 subespécies. A que ocorre sazonalmente no Brasil é a rufa. A espécie, principalmente a subespécie rufa, encontra-se em perigo iminente de extinção devido a queda populacional rápida e recente. Um dos principais fatores para essa queda é a super-exploração do caranguejo-ferradura na Baía de Delaware, nos EUA, onde cerca de 80% da população faz uma parada para se alimentar antes de continuar a migração ao Ártico para reprodução. As aves alimentam-se dos ovos desses crustáceos, porém sem conseguirem se alimentar direito muitas não acumulam energia suficiente e morrem pelo caminho. Muitas outras também desaparecem na migração da América do Sul à Baía de Delaware."

Bem, estamos fazendo nossa parte pois o principal ponto de alimentação não só desta, mas de várias outras espécies que realizam super migrações pelo Brasil, é a sensacional região que foi preservada com a criação do Parque Nacional da Lagoa do Peixe, que com sua abundância de alimento, fornece importantes provisões para esses pequenos notáveis viajores.

Grandes companheiros nessa viagem, Rudimar Griesang e Rafael Fortes, no ambiente onde foi registrado o maçarico