quinta-feira, 8 de agosto de 2024

Enfim, o socó!

 Ave!

Foi em busca do então socó-boi-escuro, há mais de cinco anos, que conheci o Marcos Perallta e sua linda família, proprietários da OCA Paraty, pousada referência em observação de aves na Costa Verde. 

Na ocasião, Chicão, guia de aves de Paraty, me levou em todos pontos possíveis do Rio Perequê-Açu, onde essa rara e esquiva espécie habita, e um desses pontos era na área da pousada. 

O Marcos, muito gentilmente, não só franqueou a entrada na sua pousada, como começava ali uma parceria que tinha como objetivo principal o registro do raro ardeídeo em terras paratienses. 

Como então não começar esse post falando dessa história? (mais detalhes em https://ave-amigos.blogspot.com/2019/06/gracas-ao-soco-da-oca.html)

Foram várias idas à sua incrível pousada, todas acompanhadas de churrasco e prosas maravilhosas, além de muitas fotos bacanas de aves que rolam na OCA. Enfim, outra grande amizade que as aves me trouxeram. 

Uma das fotos que mais gostei nesses quase 15 anos fotografando aves foi feita na OCA
Rabo-branco-rubro, dois gramas de pura simpatia

Saíra-sete-cores, a joia mais frequente nos comedouros da OCA e uma das fotos que mais gostei dessa sp


O tal do socó da OCA é residente, ou seja, vive ao longo do rio que margeia a pousada, onde se alimenta de peixes e camarões. Mas é aquela velha questão de estar no lugar certo, na hora certa. 


Segunda ou terceira busca (realmente perdi a conta) pelo socó em Paraty, quando contamos com a cia de outro querido amigo, Tavinho Moura


A penúltima busca em Paraty, há cerca de um ano, dessa vez com os amigos Guilherme Serpa e Luís da Mata

Mas a história com o socó-jararaca começou bem antes, 2013, em Iporanga, sul de SP, local que abriga o maior remanescente de Mata Atlântica. Lá também foram algumas vezes, sem sucesso. Até em Pirenópolis/GO eu procurei o danado, na ocasião com a fantástica Clarinha, que agora está pelo mundo afora tentando salvar-nos de nós mesmos.

2017, Clarinha no habitat do socó-jararaca

A última tentativa, em abril desse ano, foi em Angra, com o grande Carlos Blanco, mas apesar de ser um dos locais onde ele tem sido bastante avistado, também não rolou, aumentando ainda mais as expectativas. 

O socó-jararaca escolheu um ótimo lugar para viver
Angra dos Reis/RJ

Será que algum karma de outras vidas estava impedindo meu encontro com o socó? Será que botei fogo em algum ninho dele ou fui diretor de alguma mineradora que exterminou a vida de algum rio? Será que fui um ser desprezível e ganancioso? Afinal, onde estava a sorte que alguns diziam que sempre me acompanhava?! Até harpia com ninho e tudo já tinha encontrado! Mas o socó, nada.

Paraty, próximo da divisa com Angra dos Reis

E como o mundo é pequeno, principalmente quando se tem asas, foi um visitante andino que nos trouxe novamente a Paraty. 

Lifer em comum, o tricolino-oliváceo é daqueles bichos que vale a pena a viagem! No inverno ele desce os Andes em busca de climas mais amenos, mas é muito raro ir tão longe. No Wikiaves é a terceira vez que é registrado no estado do Rio. Então lá fomos nós, eu e o Serpa, contando mais uma vez com o grande Marcos Perallta, que não só nos guiou até o local redescoberto pelo Carlos Blanco, como mais uma vez nos convidou para ficar em sua maravilhosa pousada.

Numa das buscas pelo socó, dessa vez todos devidamente uniformizados pelo amigo e international birdwatching guide Guilherme Serpa 


O tricolino, ao contrário do socó, encontramos logo de cara. Só não respondeu ao playback, o que tornou o desafio mais interessante. 


Verdadeiro atleta olímpico, esse pequeno passarinho voou milhares de kms até aqui, medalha de ouro pra ele!


Após os primeiros raios do dia dedicados ao ilustre visitante, passamos novamente a buscar o raríssimo socó. 




Paraty/RJ



Só a ida ao habitat do socó-jararaca já vale a viagem. 

Ficar ouvindo o barulho das águas desses rios encachoeirados, em meio à mais bela de nossas florestas, enquanto sonhamos com uma aparição fantástica surgindo de trás de uma das muitas pedras que compõem aquela belíssima paisagem, realmente nos deixa naquela fronteira entre o real e o onírico. 









Lembro-me que conheci o socó-jararaca logo quando comecei a fotografar aves, na minha primeira viagem com esse fim. 

O site do Parque do Zizo, meu destino, falava de um raríssimo socó que já tinha sido visto num dos rios que serpenteavam suas matas primárias (caramba, existia um socó florestal!!!). Mas a euforia dessa descoberta durou pouco. Já a próxima oração rezava que ao menor sinal de perigo o bicho debandava.

Não imaginava que só cerca de quatorze anos depois e de umas mil outras espécies registradas, conseguiria tal proeza. 

Na verdade, surpreender um bicho florestal, desses ariscos, no seu habitat, é praticamente impossível, pois ele te nota muito antes de você encontrá-lo e o máximo que conseguimos é perceber um vulto sumindo rapidamente entre a densa vegetação.



Com o incansável Marcos, subíamos e descíamos trilhas que nos levavam a trechos acessíveis do rio, dentro e fora da pousada. O Serpa de vez em quando ia com a gente, queria registrar o adulto novamente. Mas quis o destino que o desfecho dessa busca fosse um pouco diferente.

Quando já estava mais uma vez me conformando que o socó poderia ficar para uma próxima oportunidade, o guia mais bem informado do Rio de Janeiro, Mister Serpa, sacou de sua manga um coringa!

"Vamos almoçar um peixe top e na volta passamos em Angra que o Carlos Blanco me disse que tem um jovem dando mole". Tranquilizou-me o Serpa, que já estava interessado no rango, enquanto eu só pensava em aproveitar aquele último dia em Paraty para procurar o socó. 

Despedimo-nos então do Marcos (que, sempre positivo, nos desejou toda sorte), da Sandra e de suas duas princesinhas e fomos a um restaurante no inigualável centro histórico de Paraty, muito bem indicado pelo Marcos.


Satisfeitos, partimos então para o famoso sertão de Mambucaba, eternizado no nosso meio graças ao trabalho que o Carlos Blanco vem fazendo há muitos anos, registrando diversas espécies magníficas, sendo o socó uma das mais tops. Não à toa estivemos lá em abril, mas mais uma vez o socó não deu as caras.

O sertão fica na divisa de Paraty com Angra. Passamos a ponte que divide os municípios e tentamos primeiro algum adulto em Angra, e mais uma vez nada do bicho. Então voltamos e adentramos a parte paratiana do sertão, famoso internacionalmente por abrigar um super endemismo da Costa Verde, o ameaçadíssimo formigueiro-de-cabeça-negra. 

Rodamos bem, chegamos a errar o caminho, até que a estrada encontra um rio, seguindo lado a lado com ele. Sem o Serpa falar nada, já veio uma adrenalina que dizia que ali era o lugar do tão esperado encontro (de tanto procurar o bicho, já reconhecia facilmente seu habitat nada pouco característico). Um lugar especialmente lindo, diga-se de passagem. 

Diminui a uma velocidade compatível e de dentro do carro mesmo começamos a perscrutar o rio. Mal comecei a colocar em prática tal plano, nem acreditei no que meus olhos viram!!! Caraca!!! Bateu uma tremedeira, respiração ficou ofegante, adrenalina aos baldes correndo solta nas veias! Caraca!!! O que fazer?! O bicho estava do lado do carro, imóvel! A estrada não distava mais q dois metros da beira do rio e o bicho estava próximo à margem! De onde estava não tinha ângulo para fotografar, estava muito perto, então dei ré bem devagar, morrendo de medo do bicho escafeder-se. Abri a porta e, tremendo igual vara verde, todo torto, tentando me esconder ao máximo atrás do carro, consegui, com muito custo, os primeiros registros. Afinal, tanto li e ouvi que o bicho era muito arisco e depois de tanto tempo procurando, mais a adrenalina do encontro, realmente fiquei "pilhado" de perder aquela oportunidade!

O Serpa, com sua característica calma, tentou apaziguar a situação, confirmando que o bicho era manso. Mas nessas horas o intelecto não consegue controlar muito a emoção. 

Só com a comprovação, na prática, que o bicho era manso mesmo, consegui relaxar e fazer os registros que agora posso compartilhar, literalmente e graças às novas tecnologias, com todo mundo.

Uma das primeiras cenas que consegui capturar, ainda meio escondido, foi esse flagrante de predação

Defecou e não saiu voando? "Esse bicho não vai mais embora", pensei






Tigrisoma fasciatum em seu habitat



Foram alguns minutos sensacionais na companhia desse meu jovem amigo socó! Foi muito legal observá-lo pulando de pedra em pedra. Às vezes parava, mirava algo no rio e não achando nada, continuava tranquilo. 










De vez em quando encrespava comigo, mas logo que via que eu não oferecia perigo, continuava tranquilamente sua rotina



Aquele jovem, contrariando toda fama do bicho, não tinha nada de arisco. 
Quando estávamos lá fotografando, algumas pessoas passaram andando e conversando. Como o riacho ficava à beira da estrada, creio que o nosso amigo socó se acostumou com o vai e vem das pessoas daquele sertão. 
Espero um dia voltar àquele lugar e achar o meu amigo com sua bela plumagem de adulto, assim como toda aquela belíssima natureza preservada. 


Bem pessoal, tinha mais algumas fotos para compartilhar aqui mas por algum motivo técnico não estou conseguindo, então vou ficando por aqui, agradecendo a todos os amigos que me ajudaram, Perallta, Serpa, Blanco, muito obrigado! Foram momentos especiais, e que graças à essa incrível invenção humana, a fotografia, ficarão eternizados!

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

Ilhabela, paraíso dos fotógrafos de aves

 Ave amigos!

Foi um dia apenas, mas se a primeira impressão é a que fica, Ilhabela é um verdadeiro paraíso para nós, observadores de aves, principalmente se você curte fazer fotos tops de bichos difíceis.

E bota difícil nisso heim!!! A lista é encabeçada pela menor e mais arisca saracura do Brasil, a saracura-lisa, uma das aves mais difíceis de fotografar que eu conheço. 

Lembro-me de quando conheci essa espécie. Fiquei impressionado pois só havia fotos dela à noite, já empoleiradas, recolhidas para o seu descanso noturno. Pensei, essa aí deve ser missão quase impossível... Quando enfim topei com uma, as expectativas se concretizaram. Não vi nem sombra do bicho, um verdadeiro fantasminha.

Mas o Fernando Moraes é mais do que um guia, é um encantador de aves e qual foi minha surpresa quando ele começa a chamar, "Dedé, Dedé, Dedezinha..." 

Estupefato, vi a Dedezinha subir ao palco preparado para o seu desfile, deixando para trás toda a sua famosa timidez. 

Dedé (Amaurolimnas concolor)



No segundo encontro que tivemos com a Dedé, o palco foi pequeno para tantas estrelas. 
Fernando, como grande maestro, conseguiu lidar com os apetites vorazes de uma conhecida família que pintou quando preparávamos o palco para a segunda apresentação da grande estrela que tem arrastado fotógrafos de todo Brasil a Ilhabela.

Mackenziaena severa



Dois jovens machos eram alimentados pela fêmea

 Aquela cena nunca sairá da minha cabeça... Sentado no chão, esperando a Dedé se apresentar no divino palco da Natureza, com uma família de borralharas faltando só pousar em mim.


E novamente Dedé, a fantasminha camarada, se apresenta

E desfila



Outra espécie difícil de fotografar que foi encantada pelo Fernando é a papa-taoca-do-sul, que também deu show.






Pyriglena leucoptera


Pessoal, foi incrível!!! Enquanto o Fernando preparava o palco da estrela principal, na sua primeira apresentação, um casal de chupa-dentes pintou, atraído pelo encantador de aves.

Conopophaga lineata

Estamos falando de espécies difíceis a muito difíceis de fotografar. O papa-formiga-de-grota está no meio dessa escala e é mais um bichinho que sou fã. O Fernando disse que o Myrmoderus que ele encantou não gosta muito de pintar quando ele está acompanhado. Coincidência ou não, pintou um outro indivíduo, que nos deu aquele tradicional trabalho, mas que no apagar das luzes nos brindou com uma bela aparição.

Myrmoderus squamosus






Pessoal, realmente fantástico o trabalho que o Fernando está fazendo em Ilhabela! Ele é um verdadeiro amigo das aves e inestimável colaborador de todos nós que buscamos registrar a rica biodiversidade brasileira, mesmo aquela que parece ser impossível.


Outras aves que pintaram nessa sensacional passarinhada.

Guaracava-cinzenta (Myiopagis caniceps)
Papinho-amarelo (Piprites chloris)



Harpagus diodon

Philydor atricapillus




Ramphastos dicolorus


E, para finalizar, a presença mais marcante na ilha, ave símbolo da belíssima Ilhabela, maior papagaio brasileiro, o papagaio-moleiro.









Amazona farinosa


Todo começo e fim de dia a ilha estremece com o poderoso vozerio de bandos e bandos de papagaios-moleiros. Um verdadeiro show!






Por fim agradeço mais uma vez o grande Fernando Moraes por seu incrível trabalho com as aves. Seus extraordinários feitos exigem realmente uma dedicação extrema e são merecedores de aplausos!

No Parque Estadual de Ilhabela








terça-feira, 28 de novembro de 2023

1200!

Ave amigos!

Principio esse post comemorativo com uma curiosidade:

Em novembro de 2020 publiquei aqui o post das 1100 espécies registradas, começando assim: 

"Em novembro de 2017 alcancei a marca de 1000 aves brasileiras registradas. Depois do milhar, três anos se passaram para fechar a primeira centena."

E, coincidentemente, mais exatos três anos se passaram para fechar outra centena. 

Nesse ritmo, daqui a 21 anos completo o álbum😅

Bem, continuar viajando, conhecendo e experimentando esse país tão amado e fazendo lifers ainda é o maior barato. 

Continuar tentando sensibilizar os compatriotas, através de singela, porém apaixonada divulgação das nossas belezas nacionais, ainda é um bom motivo para seguir rumo às 1300.

Coincidentemente também, foi em busca de tudo isso que escapei da maior onda de calor que castigou o Sudeste. 

Não que o Maranhão seja um lugar fresco, muito longe disso, mas estava suportável de dia, e de noite uma suave brisa tornava agradável nossas saídas para jantar ou procurar alguns bacuraus de nossa lista. Perto dos relatos que recebíamos, estávamos num oásis!

Aqui vale um parênteses. 

Estamos tendo diversos avisos de que o caminho que estamos seguindo não é seguro. Estamos vendo previsões científicas não muito boas se concretizarem. 

Quando a humanidade tomará um novo rumo?! Por quantas catástrofes ainda precisaremos passar?! 

Saudade do tempo que "morrer de calor" era só uma figura de linguagem (hipérbole, para ser mais preciso, conforme explicação do meu filhote que estudou essa matéria recentemente).

Minha impressão é que estamos conscientemente seguindo para o auto extermínio. 

Poder e ambição realmente cegam! 

Insanos!!! Acham que vão levar daqui algo além das desgraças que dão causa?!


Nosso primeiro objetivo era uma missão quase impossível. Aliás, só recentemente, através do trabalho do guia e pesquisador Luis Morais, é que começaram a pipocar fotos incríveis de um dos maiores fantasmas de nossas florestas, o fantástico jacu-estalo. 

Apesar de encontrarmos 5 indivíduos, em dois dias intensos de buscas, em que o Luis não mediu esforços, não conseguimos o tão sonhado registro, mas vivemos fortes emoções, e como diria o rei, "se chorei ou se sorri, o importante é que emoções eu viviiiiiiii".

Durante as buscas pelo enigmático jacu (que de jacu não tem nada), fizemos os dois primeiros lifers da viagem. 

O primeiro foi um dos que mais queria fazer, um dos top 5 da viagem. 

Conopophaga roberti
Pintou até essa jovem fêmea

Sou fã desse gênero e fiquei muito satisfeito com os registros que consegui do chupa-dente-de-capuz, uma belíssima espécie, com área de ocorrência restrita ao Maranhão e arredores e que não costuma facilitar muito para os fotógrafos de plantão. 

No mesmo local, imóvel, na expectativa do aparecimento da maior entidade daquelas matas, fizemos o segundo lifer da viagem, o barbudo-rajado-pequeno, outra espécie ainda mais restrita que a primeira e não menos bela. 

 

Malacoptila minor
Para um leigo como eu, pareceu-me idêntico ao "nosso" barbudo-rajado

Apesar de todo esforço e dedicação do Luis, o sonho ficou para depois.


No dia seguinte seguimos com o Thiago Rodrigues para a realização de uma passarinhada que estava programada há meses e que há anos estava em meus planos. 

Começamos o festival de lifers com o furriel-do-norte. Rumo às 1200!!!

Caryothraustes canadensis


A maria-pechim foi uma daquelas espécies que identificaram erroneamente e que acabou sendo corrigida, depois de anos, por um moderador do Wikiaves. 

Pra mim é realmente muito difícil a identificação de alguns gêneros, como é o caso do dela. Então dependo sempre da ajuda dos experts.

Mas na companhia de três feras, Thiago, nosso guia, e os ornitólogos e parceiros de longa data, Guilherme Serpa e Clézio Kleske, essa maria não me escapou, apesar de estar em meio a um grande bando misto que pintou quando já retornávamos da primeira trilha do dia.

Myiopagis gaimardii, espécie de número 1190


Da trilha fomos direto pra casa do Thiago, onde o rabo-branco-do-maranhão tem frequentado.


Phaethornis maranhaoensis

Mesmo com o sol a pino, o pequeno beija-flor pintou e, depois de algumas fotos, aquela parada obrigatória para o almoço e sua respectiva sesta, afinal, até os passarinhos descansam nessas horas mais quentes do dia.


À tarde saímos com a nada fácil missão de fotografar um dos pica-paus mais raros, belos e difíceis do Brasil, o sensacional pica-pau-da-taboca.

Em perigo de extinção devido ao desmatamento, ficou 80 anos desaparecido, sendo reencontrado somente em 2006, no estado do Tocantins.

Seu nome popular vem de sua dependência de um tipo de bambu (taboca) que abriga algumas poucas espécies de formiga das quais se alimenta.

Tabocal

Encontramos uma família nesse tabocal. 

Tenazmente nos embrenhamos, tentando em vão algum registro. 

Era um tipo de cerrado muito fechado, achar uma "janela" era quase impossível. E além de tudo os bichos eram ariscos. 

Depois de muita luta, desistimos e partimos para outro ponto desse que era um dos "cabeças" da minha lista. 

No outro ponto, que era mais aberto, obtivemos sucesso com um jovem que facilitou bastante, permitindo uma boa aproximação.



Momento da foto
Crédito: Thiago Rodrigues

Apesar da luz não estar lá essas coisas (como dá pra ver na foto acima que se avista o pica-pau bem sombreado), fiquei muito satisfeito com o registro dessa raridade de nosso Cerrado, conquistado graças à dedicação e perseverança do nosso guia.

O Thiago me informou que a ciência desconhece os hábitos reprodutivos dessa fantástica espécie. Nunca encontraram um ninho!!! 

Também afirmou que nunca tinha visto um jovem como esse fotografado, o que me deixou ainda mais satisfeito. 

Uma das coisas mais legais da nossa atividade é a oportunidade de poder colaborar com a ornitologia (através do site de ciência-cidadã Wikiaves onde esse indivíduo ilustra o jovem na página da espécie, p. ex.).

Celeus obrieni

Antes do Thiago encontrar o colaborativo jovem, um adulto pintou, com a cautela e o penacho que o jovem ainda não adquiriu.


Verdadeira ginástica para vencer a brenha e a desconfiança do adulto
Foto: Thiago Rodrigues

Muita edição para tentar vencer a escuridão e mostrar um pouco da beleza da sp

Após o Serpa e o Clézio conseguirem um lifer que buscavam próximo ao local que fotografamos o raro picídeo, finalizamos esse primeiro dia com chave de ouro.


Para o segundo dia tínhamos mais uma nada fácil missão, fotografar outro top 5, a rara e pouco acessível araponga-do-nordeste.

Habitando os galhos mais altos e sendo um bicho muito perseguido pelos gaioleiros, essa araponga também deu muito trabalho. Lembrei-me novamente da recente viagem a Pernambuco, onde ela também ocorre, mas não a encontramos. 

Procnias averano, fêmea


Infelizmente, o macho com sua incrível barbela ficou para uma próxima, a despeito de todo esforço para encontrá-lo.

Durante as buscas ao macho da araponga, encontramos outro lifer, o sebinho-de-penacho, interessante e minúsculo passarinho que possui penacho mas que hora nenhuma se "entopetou". 

Lophotriccus galeatus


À tarde fomos em uma área de Cerrado típico em busca de alguns lifers para o Clézio e de um "melhoralifer" pro Serpa. 

Rolou um lifer do Clézio, um mineirinho que comprovou sua tradicional hospitalidade nos recebendo muito bem, sem cerimônias, como nós mineiros gostamos.

Charitospiza eucoma


No dia seguinte partiríamos para nosso segundo e mais aguardado destino maranhense, os arrozais de Arari, palco da famosa sanazada, onde tudo começou, em 2015, com um primeiro contato do Thiago. 

Mas antes de partir, já no terceiro dia sob a batuta do nosso excelente guia, ainda tivemos tempo para o último lifer de Caxias, o papa-taoca-de-belém, tinhoso como seu "primo" do sudeste.

Pyriglena leuconota, fêmea

Nesse mesmo dia também ralamos pra tentar fotografar o aracuã-de-sobrancelhas (que, com algum trabalho, não nos escapou em Arari). 


Mal chegamos em Arari e fomos direto ao que interessa, conhecer o arrozal mais top do Brasil, lar de uma incrível quantidade de aves típicas de áreas úmidas, como sanãs, saracuras, socós e socoís.

Enfim, Arari

Uma típica chuva de verão nos recebeu, criando um "boas vindas" que parecia prenunciar também a diversidade que testemunharíamos nos próximos dias.

E para começar com o pé direito, logo que adentramos o arrozal encontramos várias saracuras da que considero a mais bonita do Brasil. 

Pardirallus maculatus



Adultos, jovens e filhotes pareciam brotar da plantação.


Jovens da saracura-carijó




Lifer de número 1196, não percam a conta😆






O Thiago disse que essa era a saracura mais comum por lá. 

Que notícia boa...




Como se já não bastasse para um fim de tarde esse show da carijó, pintou ainda uma das sanãs mais aguardadas e talvez a mais bonita (a concorrência é grande), a sanã-amarela, que me surpreendeu também pelo tamanho. Pensa num bichim pequeno... Os extremos na Natureza sempre me fascinaram. 

Encontramos outras, mas para manter a fidelidade à sequência dos fatos, essa foi a primeira que fotografamos.

Laterallus flaviventer

Pelas fotos não dá pra ter noção do seu tamanho, mas toda essa belezura aí cabe nuns 13 cm!

Essa aqui embaixo foi fotografada na manhã do dia seguinte e mostra os longos dedos adaptados para o forrageio em ambientes aquáticos, onde caminha procurando pequenos grãos, artrópodes e insetos.





E as emoções não terminaram por aí. Foi um primeiro dia extasiante!!! 

A luz esvaia-se, fato que, nas passarinhadas, sempre me causa certa melancolia. Mas não quando temos alguns bacuraus em vista, e o Thiago nos levou em um ponto certeiro do próximo lifer, o bacurau-de-cauda-barrada.

Nyctiprogne leucopyga


Primeiro dia acordando em Arari. Quatro e meia da matina e já estávamos de pé, cheios de disposição! Nada como fazer o que se gosta, né? 

E logo bem cedo encontramos o lifer de nº 1199! 

Outro bicho que curto demais, o fantástico socoí-amarelo. 

Ixobrychus involucris

A mesma foto, com e sem crop.



Há pouco tempo tinha registrado o socoí-vermelho ("primo" do socoí-amarelo) também com o Serpa no interior daqui do Rio. Bicho tinhoso, deu muito trabalho. Em setembro o encontrei em Pernambuco, com meu primo e compadre Durvalzinho, mas só consegui ver um vulto em voo (vide último post do blog). Mas quando se tem uma infinidade de ambiente e bichos, as possibilidades se multiplicam. 

O primeiro encontro foi assim, bem distante, mas vários outros rolaram, para nossa alegria. 

Sou fã desse bicho, que não costuma ficar exibindo sua extraordinária beleza.











A cada encontro, uma nova emoção 





E alguma hora, a sorte sorri para quem persevera

Bem amigos, quis o destino que a 1200ª espécie fotografada nesses quase 14 anos de atividade fosse a rainha do paraíso das sanãs! Espécie que praticamente alçou Arari como um dos destinos mais famosos do birdwatching nacional, já que quase todos os registros realizados no Brasil foram feitos em seus imensos arrozais.

Reza a lenda que é uma espécie difícil (fama que compartilha com suas congêneres), mas os muitos anos de experiência do Thiago fez com que, em instantes, a sanã-preta desfilasse em um teatro estrategicamente montado, para delírio de uma plateia de privilegiados. 

E assim me despeço, com a imagem desse fantasminha do extremo norte brasileiro, agradecendo a Deus pelo privilégio de ter nascido numa terra cuja natureza é ímpar, e ainda resiste, apesar de séculos de exploração colonialista.

Laterallus jamaicensis