A primavera chegou, e o fogo do instinto de perpetuação alvoroça nossas amigas emplumadas.
Machos - insuflados por grandes doses de testosterona - cantam, chamam, se exibem corajosamente quando confrontados por possíveis concorrentes, e, concomitantemente a esses ardentes pretendentes, também já encontramos outros alimentando a prole, assim como também já se pode ver alguns recém saídos dos ninhos em plena atividade escolar. Bem amigos, quem é do ramo sabe que a primavera é o melhor período para observação/fotografia de aves.
E quando se junta tanta atividade, com um dos biomas mais belos, num hot spot do birdwatching mundial... pronto, temos a fórmula do êxtase! Pelo menos para os sortudos iniciados nessa arte que nos une a algo muito maior que nós mesmos, nos une às nossas origens.
Serra Queimada, divisor dos municípios de Nova Friburgo e Macaé |
Nos 1440 m da serra conseguimos ver Macaé e Rio das Ostras |
Este que vos escreve e o amigo Clezio na serra Queimada |
Por exigir taquarais em florestas de altitude da Mata Atlântica, a trovoada-de-bertoni torna-se uma espécie rara, soma-se a isso o fato de que vive embrenhada, e temos um belo desafio.
Mas o desafio não se resumiu em fotografá-la. Chegar ao taquaral onde o Clezio a encontrou também exigiu bastante, principalmente quando você tem que carregar um peso bruto de 120 kg, com um motor com 40 anos de uso.
Eu, o Clezio e o Brunão, grande parceiro de passarinhadas fluminenses, deixamos o carro e partimos morro acima. O começo da trilha, que contava com pouco mais de 900 metros e atravessava um trecho de Floresta Atlântica submontana não condizia com o que encontraríamos mais acima. Cheguei a comentar com os amigos que estava parado demais para o começo da primavera. Só fiz uma foto nesse trecho, de uma araponga vocalizando.
Então, após vencermos uma boa dose de altitude, o Clezio nos alerta para a mudança brusca na paisagem, acabávamos de adentrar num verdadeiro paraíso!
Floresta Atlântica montana da serra Queimada |
De repente a trilha se abriu! O apertado corredor formado pelo que nós costumamos chamar de "tranqueira" converteu-se num amplo salão muito bem ornamentado, acanhadas árvores deram lugar a gigantes com seus luxuosos trajes de musgos, liquens e bromélias. E para aumentar ainda mais nosso deslumbre, parecia que todas as aves que não encontramos até então estavam ali concentradas. Pouquíssimas vezes vi tal quantidade de bichos numa mata!
A primeira a posar para fotos foi uma choquinha-de-garganta-pintada. Só mesmo assim, sem tranqueira, foi tão fácil registrá-la.
Rhopias gularis |
Muitos limpa-folhas, este é o coroado |
Incrível a quantidade de arapongas-do-horto também! Denunciadas pela sua fantástica vocalização, já que não é fácil encontrá-las na copa das grandes árvores do local.
Segundo registro que fiz dessa sp, o primeiro foi no Zizo há quase 7 anos |
Além da araponga-do-horto, destacavam-se na paisagem sonora corocochós e saudades, mas sem dúvida alguma quem dominava eram as arapongas, com sua famosa e poderosa "martelada na bigorna".
Interessantíssimo mesmo foi um imaturo que ensaiava suas primeiras marteladas. Fui obrigado a gravar, os amigos podem conferir nesse link: http://www.wikiaves.com.br/2708077&tm=s
Araponga, para muitos a voz da Mata Atlântica |
Já estávamos no período vespertino. Somente com alguns biscoitos para segurar a fome e com a necessidade de chegar ao Rio antes do meu filhote dormir (era o dia do seu aniversário), apertamos o passo apesar da quantidade incrível de bichos em atividade (notem q a atividade estava intensa mesmo no pior horário do dia).
Enfim vencemos os 1440 metros onde um baixo e delicado taquaral, com pinta de planta ornamental, monopolizava a vegetação.
Enquanto colocávamos o playback da trovoada-de-bertoni, um bicho começou a vocalizar próximo. Na brenha do taquaral vi alguma coisa, pensei que fosse a trovoada, mas qual foi nossa surpresa quando o visor da câmera nos revelou um entufado! Primeiro registro para o local, segundo ponto de ocorrência dessa interessante espécie para Nova Friburgo/RJ no Wikiaves.
Merulaxis ater |
Depois de uma "conversa" meio truncada, começamos a falar a mesma língua da trovoada-de-bertoni. Sentei-me no chão e com um pouco de paciência e sorte consegui um registro. Quem conhece essa espécie sabe que não costuma facilitar, então fiquei muito satisfeito com o registro que consegui e mais uma vez agradeci aos amigos por me proporcionarem esse lifer, o de nº 995, depois de quase dois meses do último (já começava a sofrer de hipoliferdismo).
Drymophila rubricollis |
Com a fome apertando, o cansaço e o tempo contra nós, começamos a descer a serra o mais rápido possível, afinal já eram duas da tarde e tínhamos 3,5 km com algumas descidas íngremes para enfrentar, isso sem contar os 150 km de estrada até o Rio.
Mas uma vocalização freou nossa descida, não tínhamos como vencer o apelo de Batara cinerea, o matracão! Ainda mais com o Clezio dizendo que ele respondia bem ao nosso chamado.
O matracão é uma das minhas aves favoritas, é o maior representante da sensacional família dos thamnophilídeos, até então só tinha conseguido um registro muito ruim. Mas dessa vez foi diferente, a profecia do Clezio se cumpriu, o bicho veio bem, pude observá-lo de perto e espantar-me ainda mais com o seu tamanho, não à toa há registros dele se alimentando de grandes cobras. Realmente muito impressionante observar aquela choca gigante vasculhando o chão da Floresta Atlântica montana.
Bem amigos, vou ficando por aqui para não me estender demais. Fica aqui a dica então, a serra Queimada tá pegando fogo!
Bacana, João! Como sempre, desfilando sensibilidade e gosto pelas aves. Apreciei muito. Abraços
ResponderExcluirObrigado Mestre, escrevo para leitores como você, que amam nossas aves.
Excluir