quinta-feira, 19 de agosto de 2021

Ave família!

Ave!

Vivemos momentos difíceis... a pandemia está sendo uma grande expiação. Mesmo com a certeza de que os laços de afinidade são inquebrantáveis, a dor da partida é inevitável. 

Uma das lições que podemos tirar disso tudo é que devemos aproveitar ao máximo a companhia daqueles entes queridos, que por força das necessidades, vivem apartados do nosso convívio.

Foi assim que surgiu a ideia de um acampamento na maior reserva de Mata Atlântica do estado de MG. Uma daquelas arcas de Noé que reúne sobreviventes de uma Natureza outrora riquíssima e que hoje, acuada por uma ambição cega e ignorante, encontra sua derradeira "tábua de salvação" nos limites desta fantástica unidade de conservação, o Parque Estadual do Rio Doce (PERD).

Para nossa sorte, Rio Piracicaba, nossa cidade natal, fica entre dois dos maiores tesouros mineiros, o PERD e o Caraça. E devido a uma conjuntura favorável, consegui reunir (sem aglomerações😅) dois dos entes mais queridos da família para o dito acampamento: meu único e querido irmão, Ary Ramon, e meu querido primo e compadre Durval (Dudu), grande companheiro de saídas a campo quando ainda éramos crianças e que atualmente mora em Recife.

Foi uma reunião pra lá de especial! Para o meu irmão, o mais novo do trio "Parada Dura", foi o primeiro acampamento e a primeira visita ao PERD; para nós outros, um "revival" de bons tempos; para nós três, um motivo de comemoração pelo simples fato de estarmos reunidos e com saúde!


Do outro lado da lagoa ouvimos o esturro de uma onça-pintada
Dudu às margens da lagoa do Bispo, a mais profunda do Brasil

O PERD é famoso também por ser um dos últimos redutos da onça-pinta (Panthera onca) na Mata Atlântica e ouvir o seu esturro, mesmo ao longe, foi um dos pontos altos da expedição. 

Outro acontecimento sensacional também foi o encontro com uma anta morta por uma onça. Conversando com os funcionários do parque (uma turma pra lá de competente e hospitaleira), soube que a onça-pintada capturada em 2019, em Juiz de Fora (e que pra mim era de cativeiro), foi solta lá e tem sido vista próxima à área onde fica a infraestrutura do parque.

Uma hipótese então provável é que a anta (Tapirus terrestris) conseguiu se safar do ataque da inexperiente onça, atravessou a lagoa da Carioca, mas sucumbiu devido aos ferimentos, vindo a falecer próximo às suas margens.

Imaginem o susto quando dei de cara com esse "monstro" na trilha

 Mas se engana quem pensa que o bicho mais perigoso do PERD é a onça... 

Nem cobras ou insetos peçonhentos são páreo para a perigosa gangue dos macacos-prego (Cebus sp.).

Destemidos, arrancam impiedosamente salgadinhos das mãos de crianças, rasgam barracas para furtar as delícias guardadas em seu interior e nem a nossa presença é suficiente para amedrontá-los, como no dia que um roubou o pacote de farofa que se encontrava a menos de um metro da gente.

Olha... deu tristeza de ver um grupo de amigos tendo que ir embora pouco depois de chegar por não ouvir nosso conselho para não deixar alimentos dentro da barraca. Eles deixaram TODO o alimento e os macacos furtaram TUDO!!! Depois, é claro, de rasgar a barraca com seus poderosos caninos.

Ilustração de um macaco-prego do século XIX (domínio público)

O inverno rigoroso desse ano certamente não colaborou muito com as aves (e passarinhar também não foi a única atividade de nossa reunião), mas fiz um lifer que me deixou muito feliz! 

O raríssimo e ameaçado pica-pau-dourado-grande (Piculus polyzonus) encontra, em Minas, seu último refúgio nas matas do parque. Fora dali só pode ser encontrado em algumas matas brutas do sul da BA e norte do ES. E mesmo na imensa reserva da Vale, localizada no ES, ele é raríssimo. 

Para tentar encontrá-lo, numa das vezes que lá estive, eu e o guia e amigo Justiniano Magnano tivemos que viajar bons quilômetros de carro e a pé até uma área específica de uma reserva vizinha, e, mesmo assim, só conseguimos vê-lo uma única vez, atravessando a trilha como um raio, acima das altaneiras copas. 

Mas dessa vez foi diferente... 

Primeiramente a sorte sorriu pra mim, pois logo nas tentativas iniciais de reprodução de sua vocalização, ouvi seu poderoso e inconfundível chamado ecoando pela imponente floresta. 

Foi de estremecer!!! Escutem e sintam a magia desse bicho! Parece que foi tirado da trilha sonora de um filme do Spielberg: https://www.wikiaves.com.br/43205&tm=s&t=s&s=11907

Agora minha missão era fotografá-lo. 

As fotos disponíveis dessa espécie no Wikiaves e a minha experiência aqui relatada demonstravam que não seria uma missão fácil. 

O bicho é tímido, arisco, e apesar de buscar sempre refúgio nas sombras da floresta, acabei conseguindo um bom registro, principalmente da fêmea, que num "quase contra-luz", fez jus ao seu nome popular.


O macho se distingue por apresentar um penacho vermelho

Aqui vale um parênteses. Talvez até conseguisse uma foto mais nítida (as preferidas nas redes sociais) se abusasse do recurso do playback, mas tenho pra mim que tal recurso deve ser usado com muito bom-senso, em respeito principalmente à ave. Infelizmente já passarinhei com pessoas que abusam de tal recurso. Infelizmente para tais pessoas as curtidas valem mais que as próprias aves. 

Outro bicho que fez minha alegria foi o macuco (Tinamus solitarius). Não por ter conseguido fotão, mas pelo simples fato de fazer parte do nosso dia-a-dia. É uma grande honra poder conviver com uma lenda viva. 

No começo de cada dia podíamos observá-lo na estrada ou próximo ao restaurante (que ainda se encontrava fechado), sozinho ou acasalado, forrageando sob o véu do alvorecer.


Esta magnífica espécie foi severamente caçada e seu habitat rigorosamente destruído, hoje é um bicho que só habita as lendas na minha região e que, como tantos outros, encontra no PERD um refúgio seguro para a perpetuação da espécie.


Antes de terminar essa primeira parte gostaria de agradecer ao grande Vinícius, diretor do parque, pela acolhida de sempre. Excelentes iniciativas para a observação de aves estão a caminho, podem aguardar!


20 comentários:

  1. Show João!!! Boas fotos é bom texto, como sempre!

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  2. Parabéns João !! Belíssimo relato, daqueles que só você sabe fazer. Além de muito bem escrito, o texto reflete de forma natural, seu amor pela natureza. Muito obrigado por compartilhar histórias tão incríveis.

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    1. Obrigado meu amigo, desculpe mas não aparece seu nome aqui pra mim.

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  3. Excelente João, voce descreve muito bem e faz com que a gente possa imaginar cada acontecimento do passeio. Fico muito feliz em saber que conseguiu tirar a foto do pássaro que vocês tanto queriam, com certeza Ary e Dur levou a sorte no dia. E o relato dos macaquinhos ri muito, quando eu for agora já sei: não deixar comida nas barracas. By Isabela

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    1. Obrigado Isabela! Com certeza eles são pessoas de muita sorte! Abração!

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  4. Uau! Gostei de tudo (que novidade), mas o esturro da onça ficou na minha imaginação. Como gostaria de estar junto para ouvi-lo. Um grande abraço, meu amigo.

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  5. Como sempre, um excelente relato, João! Parabéns! Fiquei com vontade de acampar lá também! Abraço!

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    1. Obrigado Fabio, só não se esqueça de não deixar comida dentro da barraca kkk

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  6. Como sempre altíssimo nível. Puro conhecimento sobre o contato com a natureza e, principalmente, com os pássaros. Show.

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  7. Bom dia João! Com esse texto me senti em plena mata! Você tem fotos abençoadas pot Deus! Obrigada por compartilhar!

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  8. Muito feliz que você conseguiu viajar com seus grandes parceiros e de brinde ainda conseguiu um lifer!!!!

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  9. Tempos difíceis mesmo, nada como a família e a natureza para nos confortar o espírito, abs e bons passeios!

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  10. Mais um excelente relato, meu amigo. Idas ao PERD sempre proporciona grandes emoções!

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