terça-feira, 30 de outubro de 2018

Centro de Endemismo Pernambuco

O Centro de Endemismo Pernambuco (C.E.P.) compreende a mata atlântica ao norte do rio São Francisco, entre Alagoas e Rio Grande do Norte.

Ao longo da evolução, o grande rio da integração nacional serviu de barreira geográfica, isolando populações de aves que seguiram caminhos evolutivos diferentes. Isso explica, a grosso modo, o motivo porque há tantas espécies que só ocorrem naquela região (o tal do centro de endemismo).

Para ilustrar, vejam duas das mais belas espécies do nosso país, a saíra-pintor e a saíra-sete-cores, ambas endêmicas da mata atlântica.

Notem as semelhanças e diferenças entre elas:

Saíra-pintor (Tangara fastuosa), ameaçado endemismo do C.E.P.

Saíra-sete-cores (Tangara seledon)

T. fastuosa ocorre exclusivamente na mata atlântica ao norte do rio São Francisco, T. seledon, ao sul.

Casos como esse se repetem com vários outros gêneros.


As florestas do C. E. P. lembram mais a floresta amazônica do que a atlântica

Originalmente, as florestas que cobriam a faixa atlântica ao norte do Velho Chico já eram um ínfimo trecho do bioma Mata Atlântica (4,8% do total). Soma-se a isso séculos de inescrupulosa destruição (vale lembrar que os dois primeiros ciclos econômicos brasileiros ocorreram no C.E.P.).

Atualmente só restam 2% da cobertura vegetal original.

Certamente muito se perdeu antes mesmo de ser catalogado pela ciência.

Para se ter uma ideia do estado crítico que se encontra a avifauna endêmica dessa região, recentemente, numa lista de dez aves consideradas extintas em todo mundo, duas são endemismos deste importante Centro, comprovando a urgência de medidas conservacionistas que impeçam novas tragédias como essas.

As florestas que restaram, verdadeiro tesouro biológico, devem ser preservadas a qualquer custo
No detalhe uma sucupira florida

Paisagem raríssima em todo C.E.P.


Relembrando os velhos tempos

Essa expedição foi realmente muito especial, foi única! A primeira depois que meu grande companheiro de passarinhadas mineiras, tio Maninho Camarão, partiu para a vida espiritual.

E quis o destino que a próxima (esta viagem já estava marcada antes de sua passagem) fosse com meu grande companheiro dos bons e velhos tempos de "rapinadas" piracicabenses.

Quando éramos crianças, o único amigo que animava em sair comigo pro mato procurar aves de rapina era esse meu primo/irmão, Dudu, hoje Dr. Durval Bruzzi, diretor da Líder Odontologia, sediada em Recife.

Com muita honra fui padrinho de seu casamento com a modelo mineira Isabela Perdigão, que tão bem me recebeu em sua aconchegante residência na capital do nordeste.

Esse casal de afilhados moram no meu coração!


Na ESEC Caetés


Nosso primeiro destino foi a Estação Ecológica de Caetés, em Paulista, região metropolitana de Recife, talvez a residência mais famosa do extraordinário beija-flor bandeirinha.

Aproveito o ensejo para agradecer ao grande amigo Rodrigo Quadros que nos passou o mapa desse magnífico e raro tesouro.

Bandeirinha (Discosura longicaudus)

Chegamos às 15 horas na ESEC, tempo suficiente para registrar por duas vezes a curiosa interação desses dois machos.



Outro momento adrenalizante que rolou em Paulista foi a vocalização bem próxima de um dos mais raros rapinantes do mundo!

Assim como o já citado caso das Tangara, temos também o caso dos Leptodon. 

Ao sul, abaixo do rio São Francisco (e ao que tudo indica também a oeste a caatinga funciona como uma espécie de barreira geográfica), temos o gavião-de-cabeça-cinza (Leptodon cayanensis); acima, temos mais outro ameaçadíssimo endemismo, o gavião-de-pescoço-branco (Leptodon forbesi).

Apesar de ouvi-lo bem próximo, não vimos o raro predador. Era só o fim de tarde do primeiro dia. Tinha certeza de que com a ajuda de uma das maiores referências do Centro de Endemismo Pernambuco, conseguiríamos registrar esse gavião criticamente ameaçado de extinção.


Para não dizer que não botei os pés em nenhuma praia nordestina 

Nosso primeiro destino alagoano foi a Barra de São Miguel, já sob a batuta do grande Sérgio Leal, que, além de referência ornitológica, faz um excelente trabalho preservacionista na região. Verdadeiro defensor do que restou das matas e bichos alagoanos, seu trabalho é digno de aplausos!

Nosso objetivo principal no litoral era o gavião-caranguejeiro, que infelizmente não colaborou (só rolou aquela foto de lifer). Assim como o chororó-didi (que nem pintou).

Sobre o chororó-didi vale dizer que é uma daquelas espécies amazônicas que rolam na mata atlântica nordestina, comprovando que em eras remotas não havia caatinga/cerrado separando as duas formações florestais (além das aves, há diversas espécies comuns da flora amazônica também).

Quem colaborou um pouco nesse dia foi a saracura-do-mangue (mais uma vez agradeço ao Rodrigo Quadros, dessa vez pelo primoroso tratamento dessa foto que originalmente ficou superexposta).

Aramides mangle

Partimos então para o interior do estado. Nossos destinos agora eram dois dos principais remanescentes florestais do Centro de Endemismo Pernambuco, verdadeiras arcas-de-noé num mar de canaviais e pastos.

Para se ter uma ideia, a última população conhecida da choquinha-de-alagoas (Myrmotherula snowi), com cerca de somente 30 indivíduos, sobrevive na ESEC de Murici (um dos nossos destinos). Infelizmente, só encontramos um casal dessa ameaçadíssima espécie, sem chance de fotos. Esperamos que a catástrofe da extinção não alcance também essa pequena e arisca ave.

Mas graças aos esforços do nosso guia, a lista de endemismos ameaçados que registramos foi grande, apesar dos poucos dias que tínhamos e da dificuldade em fotografá-los (os bichos de lá, além da raridade, são muito ariscos).

Cara-pintada (Phylloscartes cecilae)
Categoria: em perigo de extinção

Papa-taoca-de-pernambuco (Pyriglena pernambucensis)
Categoria: vulnerável à extinção

Beija-flor-de-costas-violetas (Thalurania watertonii)
Categoria: em perigo de extinção

Barranqueiro-do-nordeste (Automolus lammi), indivíduo anilhado
Categoria: vulnerável à extinção

Picapauzinho-de-pernambuco (Picumnus pernambucensis)

Gavião-de-pescoço-branco (Leptodon forbesi)
Categoria: em perigo crítico de extinção
Esse foi o único exemplar da espécie mais ameaçada que registramos em 4 dias de buscas.

Geralmente, quando a espécie se encontra nessa categoria de ameaça (em perigo crítico), restam no máximo duas ou três centenas de indivíduos.



Foi um enorme privilégio e motivo de imensurável satisfação poder observá-lo fazendo seu display (parecido com S. tyrannus) e registrar, mesmo que de uma boa distância, uma das mais raras aves de rapina do mundo!

Vida longa a L. forbesi!


Outro lifer muito bacana que também rolou foi o formigueiro-de-cauda-ruiva, espécie que se encontra "em perigo de extinção", e que ocorre somente nos estados da Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Espírito Santo e em poucas matas do nordeste mineiro, na divisa com a Bahia.

Myrmoderus ruficauda


Como já mencionamos, no Centro de Endemismo Pernambuco ocorre também uma avifauna típica da Amazônia, tornando esta região ainda mais especial em termos de biodiversidade.

O tangará-príncipe foi um desses casos que pudemos registrar. No caso um macho adulto mostrando quem manda no pedaço a um jovem.

Chiroxiphia pareola

A maria-de-barriga-branca é outro exemplo de ave amazônica, mas sua distribuição na mata atlântica difere da do tangará-príncipe. Enquanto esse ocorre tanto ao norte quanto ao sul do São Francisco, até o extremo norte do ES, aquela só ocorre no Centro Pernambuco.

Muito interessante o estudo da biogeografia das aves.

Hemitriccus griseipectus

Já este belo arapaçu, o rajado-do-nordeste, possui duas populações disjuntas, uma no C.E.P. e outra no Ceará.

Xiphorhynchus atlanticus
Categoria: vulnerável à extinção

Nessa viagem também fui apresentado à história muito legal da preservação de uma outra espécie muito ameaçada e que também era lifer, o anumará (Anumara forbesi).

Anita Studer, uma ornitóloga suíça, conheceu essa curiosa espécie no começo da década de 80. Seu supervisor acadêmico disse a ela que o anumará poderia ser um bom motivo para estudos, mas que seu habitat não duraria uma década.

Em vez de estudar o pássaro, Anita decidiu salvá-lo.

Graças aos seus esforços foi criada a Reserva Biológica de Pedra Talhada, preservando não só o anumará, como também vários endemismos ameaçados do C.E.P..

Anita Studer, uma verdadeira heroína

Anita também reflorestou mais de 800 hectares de mata atlântica e engajou a comunidade, desenvolvendo consciência ambiental e economia local.

Suas iniciativas resultaram em um documentário divulgado em todo mundo pelo Discovery e em uma importante premiação na Suíça.

É realmente sensacional ver como um passarinho pode motivar tantas ações positivas.

Anumara forbesi, lembra nosso melro

Única espécie do gênero, o anumará possui uma distribuição geográfica muito instigante. Além da população do C.E.P. há outra em Minas Gerais. Não obstante a grande distância separando tais populações, a espécie é monotípica.

Deve ser por essas e outras que o anumará encanta ornitólogos de todo mundo.

Sociável, tem um curioso display, lançando a cabeça para trás enquanto vocaliza


Despeço-me rendendo homenagens à Anita Studer e Sérgio Leal, pelo excelente trabalho em prol de nossa Natureza e agradecendo os meus queridos anfitriões, Dr. Durval e Isabela, pela excelente acolhida!

8 comentários:

  1. Muito massa esse seu post, João Sérgio!!! Obrigado por ter confiado nos meus serviços
    Grande abraço

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Eu que agradeço sua dedicação Sérgio, fico feliz q tenha gostado. Abração.

      Excluir
  2. Que beleza, João.
    Lindas fotos, mas não dá para não destacar a do pintor. Espetacular.

    ResponderExcluir
  3. Obrigado meu amigo. Gostei muito do resultado também. Foi um instante q ele deu mole e tive a sorte de conseguir captá-lo.

    ResponderExcluir
  4. Ai primo, bacana demais esse diário de viagem, maravilhosas imagens e relatos preciosos...

    ResponderExcluir