sábado, 21 de agosto de 2021

Ave família II

 Ave amigos!

Para "finalizar" o PERD, mais um "causo" e alguns registros. 

Enquanto armávamos a barraca e preparávamos o rango, meu irmão, eufórico, bradou: Brother! Brother! Uma águia!!! 

Suspeitei desde o início que o voo majestoso e a envergadura (realmente impressionante) de quase dois metros do Cathartes pregara-lhe uma peça. 

Senhor dos ares, os Cathartes (gênero de urubu que engloba 3 espécies) são presença constante na área de camping do PERD. 

Eu já os havia detectado, mas meu irmão só percebeu quando um passou voando bem próximo.

Voando a poucos metros do chão, os Cathartídeos, como de costume, deram um show a parte, desviando com maestria dos obstáculos, enquanto perscrutavam o gramado em busca de restos deixados por algum "porco".  

A cabeça incolor denuncia a imaturidade desse Cathartes

 Na área de camping podemos encontrar tanto C. burrovianus, quanto C. aura, respectivamente, urubu-de-cabeça-amarela e urubu-de-cabeça-vermelha. E é exatamente a cor de suas cabeças que os distingue mais facilmente, como podemos observar nestas fotos realizadas in loco.




Mais algumas aves que pintaram:

Araçari-de-bico-branco (Pteroglossus aracari)


Pica-pau-de-banda-branca (Dryocopus lineatus) fazendo ninho


Pararu-azul (Claravis pretiosa)


E com a foto que mais gostei dessa viagem, desse Myiarchus, finalizo as aves do PERD

Além do esturro da onça-pintada e dos restos mortais da anta, pudemos registrar também outros exemplares da mastofauna do parque:

Cutia (Dasyprocta aguti)

Bugio e seu filhotão (Alouatta sp)

Guigó e seu filhotinho (Callicebus sp)

Mico (Callithrix sp), creio ser um híbrido

Três dias após deixar o PERD e aproveitando o convite do caríssimo primo e observador de aves Rogério Fernandes, foi a vez de retornar ao Caraça. 

Contamos também com a agradável companhia do meu querido tio Ieié, que (não poderia deixar de mencionar) sempre foi um grande incentivador do sobrinho observador, seja fornecendo meus primeiros binóculos e meus primeiros livros sobre aves, seja me levando para passarinhar (lembrando que comecei a observar aves de rapina com cerca de 4 anos), como na primeira vez que vi um gavião-caboclo (Heterospizias meridionalis). 

Nunca vou me esquecer daquele dia! O imponente rapinante passou planando a poucos metros de nós, ao nível dos olhos, estávamos num dos morros mais altos da cidade (tecnicamente não temos montanhas no Brasil), fiquei tão impressionado que até achei que fosse uma águia!(como meu irmão no PERD) Adrenalina na veia e com certeza uma emoção que me incentivou a continuar uma atividade que já dura 40 anos. 

Sou muito abençoado e grato por ter nascido numa família de pessoas tão boas e num país com uma Natureza tão fantástica🙏

Ieié e Rogério Fernandes na igreja do Caraça


"Na real", nunca tive sorte no Caraça. A lista de espécies de lá é sensacional, mas nunca vi um rapinante top por exemplo, e olha que desde criança frequento aquele lugar magnífico.

Nesse dia não foi diferente... Um acidente na BR (infelizmente algo rotineiro na rodovia da morte) ainda nos fez perder as melhores horas do dia.

Para não voltar de mãos vazias, uma simpática e amigável maria-preta-de-garganta-vermelha posou para nós.

Knipolegus nigerrimus

De volta à Piracity, outro querido primo que curte muito a Natureza também foi meu novo parceiro em uma nova empreitada. 

Marcelo Barros, o famoso Tico-tico, apresentou-me uma cachoeira famosa que eu ainda não conhecia em nossa cidade, a cachoeira das Batatinhas. Muito obrigado por me apresentar esse lugar fantástico, primo! 

"É nóis" na praça

No caminho, uma nova espécie para a cidade (Wikiaves). Por coincidência, a mesma que "deu mole" no Caraça, a maria-preta-de-garganta-vermelha. Mas o que me impressionou bastante foi a visão do que creio o maior fragmento de Mata Atlântica que já pude contemplar em nossa cidade!

Visão parcial da "mata das Batatinhas"

Voltamos outro dia e tentamos acessar a exuberante floresta pelo mesmo acesso da cachoeira. 

Apesar de "cortar muito mato, no peito e na raça", um precipício e um sub-bosque muito fechado frustrou nossa tentativa de adentrar aquela promissora mata. E justamente quando, com muito esforço, alcançamos sua borda. 

Retornamos como quem passa na porta de uma churrascaria, sente aquele cheirinho irresistível, mas não pode entrar... 

O difícil acesso talvez tenha poupado essas juçaras (Euterpe edulis)
Primeira vez que encontro exemplares "selvagens" dessa palmeira ameaçada de extinção no município

Meu tempo havia se esgotado, as obrigações batiam à porta. 

Já em casa, pelo "maps", descobri uma forma de acessar aquele fragmento, e, na primeira oportunidade, espero retornar aqui com boas novidades.

Em homenagem ao primo Tico-tico, finalizo com a foto desse bicho que encontramos na borda e que ele tanto gostou, o tachuri-campainha (Hemitriccus nidipendulus)

quinta-feira, 19 de agosto de 2021

Ave família!

Ave!

Vivemos momentos difíceis... a pandemia está sendo uma grande expiação. Mesmo com a certeza de que os laços de afinidade são inquebrantáveis, a dor da partida é inevitável. 

Uma das lições que podemos tirar disso tudo é que devemos aproveitar ao máximo a companhia daqueles entes queridos, que por força das necessidades, vivem apartados do nosso convívio.

Foi assim que surgiu a ideia de um acampamento na maior reserva de Mata Atlântica do estado de MG. Uma daquelas arcas de Noé que reúne sobreviventes de uma Natureza outrora riquíssima e que hoje, acuada por uma ambição cega e ignorante, encontra sua derradeira "tábua de salvação" nos limites desta fantástica unidade de conservação, o Parque Estadual do Rio Doce (PERD).

Para nossa sorte, Rio Piracicaba, nossa cidade natal, fica entre dois dos maiores tesouros mineiros, o PERD e o Caraça. E devido a uma conjuntura favorável, consegui reunir (sem aglomerações😅) dois dos entes mais queridos da família para o dito acampamento: meu único e querido irmão, Ary Ramon, e meu querido primo e compadre Durval (Dudu), grande companheiro de saídas a campo quando ainda éramos crianças e que atualmente mora em Recife.

Foi uma reunião pra lá de especial! Para o meu irmão, o mais novo do trio "Parada Dura", foi o primeiro acampamento e a primeira visita ao PERD; para nós outros, um "revival" de bons tempos; para nós três, um motivo de comemoração pelo simples fato de estarmos reunidos e com saúde!


Do outro lado da lagoa ouvimos o esturro de uma onça-pintada
Dudu às margens da lagoa do Bispo, a mais profunda do Brasil

O PERD é famoso também por ser um dos últimos redutos da onça-pinta (Panthera onca) na Mata Atlântica e ouvir o seu esturro, mesmo ao longe, foi um dos pontos altos da expedição. 

Outro acontecimento sensacional também foi o encontro com uma anta morta por uma onça. Conversando com os funcionários do parque (uma turma pra lá de competente e hospitaleira), soube que a onça-pintada capturada em 2019, em Juiz de Fora (e que pra mim era de cativeiro), foi solta lá e tem sido vista próxima à área onde fica a infraestrutura do parque.

Uma hipótese então provável é que a anta (Tapirus terrestris) conseguiu se safar do ataque da inexperiente onça, atravessou a lagoa da Carioca, mas sucumbiu devido aos ferimentos, vindo a falecer próximo às suas margens.

Imaginem o susto quando dei de cara com esse "monstro" na trilha

 Mas se engana quem pensa que o bicho mais perigoso do PERD é a onça... 

Nem cobras ou insetos peçonhentos são páreo para a perigosa gangue dos macacos-prego (Cebus sp.).

Destemidos, arrancam impiedosamente salgadinhos das mãos de crianças, rasgam barracas para furtar as delícias guardadas em seu interior e nem a nossa presença é suficiente para amedrontá-los, como no dia que um roubou o pacote de farofa que se encontrava a menos de um metro da gente.

Olha... deu tristeza de ver um grupo de amigos tendo que ir embora pouco depois de chegar por não ouvir nosso conselho para não deixar alimentos dentro da barraca. Eles deixaram TODO o alimento e os macacos furtaram TUDO!!! Depois, é claro, de rasgar a barraca com seus poderosos caninos.

Ilustração de um macaco-prego do século XIX (domínio público)

O inverno rigoroso desse ano certamente não colaborou muito com as aves (e passarinhar também não foi a única atividade de nossa reunião), mas fiz um lifer que me deixou muito feliz! 

O raríssimo e ameaçado pica-pau-dourado-grande (Piculus polyzonus) encontra, em Minas, seu último refúgio nas matas do parque. Fora dali só pode ser encontrado em algumas matas brutas do sul da BA e norte do ES. E mesmo na imensa reserva da Vale, localizada no ES, ele é raríssimo. 

Para tentar encontrá-lo, numa das vezes que lá estive, eu e o guia e amigo Justiniano Magnano tivemos que viajar bons quilômetros de carro e a pé até uma área específica de uma reserva vizinha, e, mesmo assim, só conseguimos vê-lo uma única vez, atravessando a trilha como um raio, acima das altaneiras copas. 

Mas dessa vez foi diferente... 

Primeiramente a sorte sorriu pra mim, pois logo nas tentativas iniciais de reprodução de sua vocalização, ouvi seu poderoso e inconfundível chamado ecoando pela imponente floresta. 

Foi de estremecer!!! Escutem e sintam a magia desse bicho! Parece que foi tirado da trilha sonora de um filme do Spielberg: https://www.wikiaves.com.br/43205&tm=s&t=s&s=11907

Agora minha missão era fotografá-lo. 

As fotos disponíveis dessa espécie no Wikiaves e a minha experiência aqui relatada demonstravam que não seria uma missão fácil. 

O bicho é tímido, arisco, e apesar de buscar sempre refúgio nas sombras da floresta, acabei conseguindo um bom registro, principalmente da fêmea, que num "quase contra-luz", fez jus ao seu nome popular.


O macho se distingue por apresentar um penacho vermelho

Aqui vale um parênteses. Talvez até conseguisse uma foto mais nítida (as preferidas nas redes sociais) se abusasse do recurso do playback, mas tenho pra mim que tal recurso deve ser usado com muito bom-senso, em respeito principalmente à ave. Infelizmente já passarinhei com pessoas que abusam de tal recurso. Infelizmente para tais pessoas as curtidas valem mais que as próprias aves. 

Outro bicho que fez minha alegria foi o macuco (Tinamus solitarius). Não por ter conseguido fotão, mas pelo simples fato de fazer parte do nosso dia-a-dia. É uma grande honra poder conviver com uma lenda viva. 

No começo de cada dia podíamos observá-lo na estrada ou próximo ao restaurante (que ainda se encontrava fechado), sozinho ou acasalado, forrageando sob o véu do alvorecer.


Esta magnífica espécie foi severamente caçada e seu habitat rigorosamente destruído, hoje é um bicho que só habita as lendas na minha região e que, como tantos outros, encontra no PERD um refúgio seguro para a perpetuação da espécie.


Antes de terminar essa primeira parte gostaria de agradecer ao grande Vinícius, diretor do parque, pela acolhida de sempre. Excelentes iniciativas para a observação de aves estão a caminho, podem aguardar!