domingo, 24 de abril de 2016

Ave Bahia! As Araras-azuis-de-lear

Seiscentos quilômetros separavam Boa Nova, no sul da Bahia, de Canudos, ao norte, e depois de uma passarinhada pela manhã na cidade paraíso das aves, ainda chegamos ao nosso último destino no mesmo dia, graças aos grandes companheiros desta expedição que cortou a Bahia.

Se considerarmos nosso primeiro destino, Macarani, na divisa com Minas, seriam 800 km!

A Bahia é um mundo!

E com certeza o sucesso dessa expedição se deveu a eles, aos novos e velhos amigos, que com seus conhecimentos, talentos e boa vontade, não mediram esforços para que alcançássemos nossos objetivos. E no nosso último destino contamos com a ajuda de um destes novos amigos, o Caio Brito que nos passou o ponto mais próximo do chorozinho-de-papo-preto (Herpsilochmus pectoralis), interessante espécie ameaçada que possui três regiões de ocorrência bem distintas e que foi uma daquelas boas surpresas pois sequer sabia da existência dessa espécie.

O Caio estava acompanhado do André Grassi, que ficou famoso recentemente apresentando o raro e tinhoso pica-pau-do-parnaíba ao Sergio Chapelin e que fez uma ótima propaganda de Tocantis (como se precisasse né André?rs). Ambos muito simpáticos e solícitos, mesmo no curtíssimo período que eles dispunham antes de seguirem viagem.

Rodamos mais de cem quilômetros para registrar o chorozinho-de-papo-preto 

Digno de nota também uma ótima surpresa que tivemos na Reserva Biológica de Canudos, local preservado pela Biodiversitas, principal refúgio das araras-azuis-de-lear.

Havia muitas flores de maracujá na Reserva(curiosidade: há várias espécies nativas de maracujá no Brasil) e os beija-flores as adoram. O grande Helberth estava interessado no rabo-branco-de-cauda-larga, uma das últimas espécies da Caatinga que faltava para ele. Eu o acompanhava na esperança de melhorar o meu registro dessa espécie que havia encontrado brevemente em Araripe/CE com o Jefferson Bob.

Estávamos próximos de um maracujá dos mais floridos que havíamos encontrado quando o Helberth quebra aquela serenidade peculiar dos ornitólogos com uma exclamação típica dos mesmos, ou seja, em latim: Chrysolampis!

Quem diria!!! Uma das espécies que mais queria encontrar em Boa Nova e que já não estava lá pois já havia migrado, acabei encontrando em Canudos, há centenas de quilômetros ao norte. Poderia até ser algum indivíduo que há dias atrás ainda estava no Lajedo.

A partir de então criei raiz ali, do lado do maracujá florido, até que ficasse satisfeito com uma foto que fizesse jus à beleza da espécie ou até que a fome falasse mais alto, o que viesse primeiro, já que, apesar das controvérsias, eu fui eleito o mais esfomeado do grupo.

Entre idas e vindas (do beija-flor, claro) que duraram um bom tempo (me arrependi de não ter cronometrado), saí dali satisfeito! E esfomeado!

Beija-flor-vermelho (Chrysolampis mosquitus) na flor de um maracujá


Mas sem dúvida um dos momentos mais aguardados de nossa expedição foi o último, e não à toa. Para fechar com chave de ouro essa maravilhosa viagem, um formidável espetáculo ornitológico, sem dúvida o maior desta expedição!


 Mais uma vez tal espetáculo só não acabou graças a nobres pessoas e instituições que se dedicaram à causa, pois devido principalmente ao tráfico de animais silvestres, as araras-azuis-de-lear(Anodorhynchus leari) quase tiveram o mesmo destino da ararinha-azul(Cyanopsitta spixii) que hoje se encontra extinta na natureza. Atualmente estima-se que 1.500 aves sobrevivam na natureza.


Tivemos o prazer de sermos conduzidos ao ponto onde as araras pernoitam e nidificam por uma dessas pessoas. Segunda geração de uma família envolvida na preservação da espécie, o grande Caboclo nos contou histórias incríveis que merecem um livro!

Seu pai participou da expedição de um dos maiores ornitólogos brasileiros, o grande Helmut Sick, que redescobriu a espécie, pois a arara-azul-de-lear foi descrita na Europa a partir de uma pele coletada pelos primeiros exploradores que aqui aportaram no século XIX. Não se conhecia sequer o habitat dessas araras!

E que habitat!

Foto: Wagner Nogueira


Ainda é noite quando as primeiras araras começam a vocalizar. Ao alvorecer, os casais começam a sair dos buracos dos paredões onde pernoitam e nidificam. Sobrevoando os canyons em círculos, suas fortes vozes ecoam pelas imponentes formações rochosas e assim as araras vão se agrupando em bandos que nesta época ainda não são tão grandes(podem chegar a centenas de aves!), mas o são o suficiente para impressionar qualquer um.

Este casal retardatário fez pose pra gente no mandacaru

Após nos maravilharmos com este inesquecível espetáculo, fomos para outro paredão onde a luz seria a ideal. Os primeiros raios solares tingiam de vermelho aquelas formações geológicas interessantíssimas e para nos brindar com sua presença marcante e numa situação de luz que não mais se repetiu em dois dias de observação, uma única arara aparece. Exceção para uma espécie que vive em casais e são eternamente fiéis a seus companheiros.



Foi menos de uma hora dessa luz perfeita até que o menos provável acontece, o tempo fecha e uma chuva fina começa a cair no semi-árido, tornando o local silencioso e praticamente sem vida. Um contra-senso que se confirmou no dia seguinte quando o Caboclo nos alertou que as araras só reapareceriam se o sol saísse. O tempo continuou instável, mas como era o último dia, fomos na esperança de que São Pedro ainda nos brindaria com alguns raios de sol. Tínhamos hora, já que minha volta seria à tarde, por Aracaju, a cerca de 350 km de onde estávamos.

Enquanto aguardávamos esperançosos o sol, quem deu um show foi um casal de caurés que parecem estar acostumados à presença humana no local.




Já estava começando a ficar um pouco aflito, afinal o tempo continuava nublado e a única movimentação no canyon era de um pequeno bando de aratingas-de-testa-azul.

Quando um casal de aratingas passou na altura dos olhos resolvi fotografar porque com aquele background qualquer coisa que passe voando fica muito legal. Além do que as aratingas são muito bonitas, seu belo verde se destacava magnificamente. Mas qual foi minha surpresa quando já em casa vi as fotos no computador!

Anomalia, predação, interação danosa? Enfim, como essa ave consegue sobreviver?!

O tempo continuava a passar até que a calmaria foi quebrada pelo achado do Wagner, uma águia-serrana(antiga águia-chilena) pousada num rochedo próximo aos paredões das araras! Lembrei instantaneamente da história do grande Edson, contada no último capítulo.

Creio que a águia-serrana já rondava as redondezas pressentindo a saída dos filhotes, que de fato, conforme nos contou Caboclo, só ocorreria dentro de algumas semanas.

Aproveitando a calmaria, fui em direção à águia, pois sou antigo fã das aves de rapina e também não tinha um registro satisfatório daquela imponente águia que possui uma envergadura de quase dois metros. Aos poucos cheguei o mais próximo que pude. A águia, como o pequeno falcão, parecia não se importar com minha presença.

Chamou-me atenção um suiriri que montou guarda ao lado da águia e em duas ou três vezes precipitou-se sobre o grande predador que aparentemente estava mais incomodado com a nuvem de insetos que pairava sobre ele.

Mas a maior parte mesmo dos voos do suiriri não tinham como alvo a águia, e ele sempre voltava para o mesmo poleiro, próximo à águia. O que me fez pensar na hipótese de que a nuvem de insetos estava estrategicamente posicionada todo aquele tempo ao lado do poderoso rapinante como forma de se proteger das investidas do suiriri.




Enquanto estava entretido com aquela cena, os primeiros raios solares do dia começaram a sair e, incrivelmente, como o Caboclo havia comentado, pouco depois começamos a ouvir novamente o poderoso vozerio das araras se aproximando. Muito interessante essa relação das araras com o sol!

Despedi-me da minha velha conhecida e apertei o passo para não perder a chegada das araras.

Muito interessante também como as araras nos sobrevoavam, claramente nos inspecionando, para ter certeza de que não éramos uma ameaça. Depois disso ainda pousavam no topo dos penhascos e só depois de algum tempo, em um ligeiro voo, adentravam seus ninhos. Afinal, foram muitos anos de perseguição e só acho que elas conseguiram ainda ficar um pouco à vontade devido à presença do Caboclo, que realmente as trata com muito carinho.

Aliás uma, dentre as várias histórias que o Caboclo nos contou, foi como as araras se acostumaram com sua presença. Ele teve que fazer um trabalho de aproximação que durou meses, indo constantemente àquele local até elas se acostumarem com a sua presença. Graças também a este trabalho hoje podemos desfrutar da presença tão próxima das araras-azuis-de-lear!




Casal chegando ao ninho
Interessante que em alguns lugares o penhasco possui o mesmo tom de azul das araras



Bem amigos, finalizo o relato desta grande expedição agradecendo a todos os amigos desta jornada, em especial aos grandes ornitólogos Wagner Nogueira e Helberth Peixoto e aos amigos da SAVE Brasil e da Biodiversitas.

Eu, Helberth, Caboclo e Wagner na Reserva Biológica de Canudos
Foto: Wagner Nogueira

quinta-feira, 14 de abril de 2016

Ave Bahia! Boa Nova, cidade paraíso das aves

Amigos, Boa Nova é um lugar ímpar, com uma maravilhosa história de preservação que começou por causa de uma ave, o extraordinário gravatazeiro (Rhopornis ardesiacus).

Tive o prazer em conhecer um dos principais atores desta história e que atualmente é seu protagonista. E ainda tive o privilégio de ser apresentado ao gravatazeiro pelo próprio "o cara" do gravatazeiro, o Edson Ribeiro Luiz. Para não tornar este post longo demais recomendo assistirem este vídeo que fala um pouco desta história: https://www.youtube.com/watch?v=c3fMd4zFnKk

Foi por causa dessa ameaçada e linda ave que o Edson entrou para os quadros da SAVE, ONG que representa a BirdLife International no país e que tem como missão precípua salvar da extinção nossas aves. Não tem como não tirar o chapéu pra esses caras, são verdadeiros heróis! Dedicam suas vidas ao nobre propósito de salvar o pouco que restou de nossa natureza, exatamente o que mais precisa de ajuda, nossas aves mais ameaçadas de se extinguirem, e desculpem o necessário pleonasmo, PARA SEMPRE!

Alguns abdicam-se de suas famílias, da comodidade e conveniência das cidades maiores, até de sua cultura para viverem nos locais onde as últimas aves das espécies mais ameaçadas ainda sobrevivem. E como se não fosse pouco, ainda desempenham a nada fácil missão de conscientizar os moradores locais da importância de preservar aquelas espécies, muitas vezes indo de encontro a interesses econômicos dos próprios. Parabéns Edson, parabéns todos da SAVE, admiro demais vocês!!!

Mas o que Boa Nova tem de tão especial que a tornou destino obrigatório para birders de todo mundo? Além do raríssimo gravatazeiro, Boa Nova é agraciada por uma localização geográfica especial que propiciou o desenvolvimento de um mosaico de biomas muito peculiar, e que graças a algum milagre, bastante da vegetação original se manteve de pé até o pessoal da SAVE se aportar no local e ajudar a criar o Parque Nacional e o Refúgio de Vida Silvestre de Boa Nova, com o intuito de preservar aquela rica região ecótone inserida numa das regiões mais devastadas do Estado da Bahia.

O que mais me impressionou nessa expedição que cortou a Bahia de sul a norte foi justamente esse mosaico de biomas tão díspares que encontramos em Boa Nova. Poucos minutos pela estrada que corta a serra da Ouricana nos leva da mais exuberante e úmida Mata Atlântica, ao bioma mais seco do Brasil, a Caatinga. Uma pequena faixa de cerca de 10 km separa o semi-árido do sempre-úmido. E é justamente nesta pequena faixa que encontramos o gravatazeiro, que recebeu este nome devido aos gravatás, grande bromélia que se desenvolve no solo da Mata de Cipó, variante da Mata Atlântica que faz a transição da Caatinga para a Mata Atlântica propriamente dita.


Mata Atlântica em Boa Nova

Caatinga em Boa Nova
Foto: Wagner Nogueira
Gravatá(provavelmente uma das muitas sp, perdoem-me os botânicos)

Este gravatá é típico da Mata de Cipó, e os gravatazeiros estão intimamente ligados a ele: nos gravatás eles fazem seus ninhos, encontram alimento, se refugiam dos predadores. Impossível preservar o gravatazeiro sem preservar a Mata de Cipó. Assim o raro, endêmico e belo gravatazeiro se tornou espécie-bandeira, símbolo de preservação desta ameaçadíssima fitofisionomia da Mata Atlântica, que já nasceu rara, esgueirando-se por uma pequena faixa do leste baiano.

Mata de Cipó
Área de transição

No primeiro dia flertamos com secos e molhados:

Papa-moscas-do-sertão (Stigmatura napensis)

Beija-flor-de-garganta-azul (Chlorostilbon notatus)

Choca-do-nordeste (Sakesphorus cristatus) casal


Topetinho-vermelho (Lophornis magnificus) fêmea

Formigueiro-do-nordeste (Formicivora iheringi)

Furriel (Caryothraustes canadensis)

Mas o segundo dia é que nos reservaria os momentos mais aguardados. Neste dia contamos com a excelente companhia do Edson, que tirou seu dia de folga para nos apresentar as maravilhas de Boa Nova.

Nosso primeiro destino foi uma trilha na Mata Atlântica do Parque Nacional, e antes mesmo de adentrarmos a mata o Edson nos apresentou um casal dos raríssimos e recém-descritos acrobatas (Acrobatornis fonsecai), que espantosamente vivem numa área degradada, mas com alguns vinháticos enormes, onde costumam fazer ninho. Esta espécie era uma das tops que eu esperava ver nesta viagem e estes foram os únicos que encontramos.

Nunca vi um passarim tão carismático, tão carinhoso uns com os outros. Muito legal como eles se interagem.






Isso que é começar o dia com o pé direito! O primeiro presente do dia que recebemos do Edson.

Logo em seguida, olha o que pinta:

Pica-pau-anão-de-pintas-amarelas (Picumnus exilis), sp típica de mata de baixada

Já dentro da trilha, uma das primeiras espécies que encontramos foi um comemorado lifer:

Trepador-sobrancelha (Cichlocolaptes leucophrus) jovem

Mais adiante, um sabiá-coleira (Turdus albicollis) bem diferente:



O familiar e belo formigueiro-assobiador (Myrmoderus loricatus)
Caburé-miudinho, lifer muito festejado

Olha pessoal, foram muitas surpresas, mesmo para o Edson, acostumado com o local, mostrando o grande potencial do Parque. Só pra citar algumas: um grande bando dos raros apuins-de-costas-pretas(primeiro registro no Wiki para Boa Nova), gavião-pega-macaco (só ouvimos, não há documentação para o Parque), tiriba-de-orelha-branca(novidade total) e espécies que podem vir a ser separadas futuramente. Enfim, um grande tesouro biológico aquele Parque.


Depois do almoço seguimos para a segunda parte deste grande dia, destinos: Mata de Cipó e Lajedo dos Beija-flores.

Na Mata de Cipó nosso anfitrião nos apresentou o gravatazeiro.

Como que sabendo que quem o chamava era seu maior defensor, um casal atendeu dando o maior show!

Macho

Fêmea vocalizando

Um encontro emocionante

Depois de tantas emoções, ótimos papos e um tanto cansados, fomos terminar o dia conhecendo o famoso Lajedo dos Beija-flores. Digno de menção o fato de que a área do Lajedo foi adquirida pela grande fotógrafa de aves Ester Ramirez e seu marido, e agora conta com proteção integral, um exemplo a ser seguido por quem pode e ama nossas aves. Parabéns, tiro o chapéu pra vocês!

Detalhe do Lajedo

Helberth Peixoto, eu, Edson Ribeiro e Wagner Nogueira, no Lajedo dos Beija-flores
Foto: Wagner Nogueira

Particularmente tinha esperança de fotografar algum beija-flor-vermelho(beija-flor mais desejado dessa viagem) atrasado para sua migração anual. Eles costumam partir do Lajedo(melhor lugar para fotografar essa formidável sp) em março e só retornam na primavera. Quase rolou, nos "finalmentes" uma fêmea foi encontrada pelo Wagner, porém não consegui fotografá-la, ficou só na vontade.

Mas para não dizer que fui ao Lajedo e não fotografei nenhum beija-flor rs:

Amazilia lactea no famoso cacto do Lajedo

Outras aves que deram show pra gente:

Barulhento(Euscarthmus meloryphus), foto boa de lifer difícil graças a expertise do Wagner

Bacurauzinho-da-caatinga (Hydropsalis hirundinacea) arrancando para mais uma correria
Este bacurau deu um show a parte! Quando todos menos esperavam, em vez de voar, como de costume fazem seus congêneres, ele saiu correndo, como um mamífero ou um crustáceo, enfim, tudo menos um bacurau.

Deixamos o Lajedo um pouco antes da hora porque uma forte chuva se aproximava, então fomos jantar e em um dos muitos bons papos que rolou, o Edson nos contou que quando ele teve em Canudos para observar as araras-azuis-de-lear (nosso próximo destino), ele presenciou uma cena incrível: uma águia-chilena(atual águia-serrana) rapinando um filhote de arara que acabara de sair do ninho! Não dá nem pra imaginar uma cena dessas...

Bem pessoal, tentei ser o mais conciso possível, para não me delongar muito, mas só nossa estada em Boa Nova renderia um livro. Há também outra possível novidade que caso se confirme ainda será revelada. Aguardemos.

Despedi-me de Boa Nova agradecendo toda a cordialidade e boa-vontade do mais novo amigo, o Edson, "o cara" de Boa Nova.

sábado, 9 de abril de 2016

Ave Bahia! A Mata do Passarinho

Ave amigos!

A Bahia é especial por vários motivos, e no tocante às aves também. Suas praias e sua cultura são bastante conhecidas do público em geral, mas o que muito poucos sabem é que a Bahia abriga aves das mais ameaçadas e belas.

Este relato é sobre uma expedição que teve como objetivo encontrar os últimos sobreviventes de séculos de destruição desenfreada causada pelo homem, para tanto contei com a ajuda de dois feras da ornitologia brasileira, os grandes amigos Wagner Nogueira e Helberth Peixoto.


Nosso primeiro destino, a Mata do Passarinho. Objetivo principal, conhecer (e com muita sorte registrar) uma das aves mais raras do planeta, o entufado-baiano (Merulaxis stresemanni).

O que dizer de uma espécie cuja população atualmente conhecida conta, na melhor das hipóteses, com 15 aves?! "Tenho que conhecê-la antes que aconteça alguma tragédia!" Foi o que pensei, já que tal população se concentra em um pequeno fragmento isolado na divisa da Bahia com Minas Gerais.

Ouvi falar que essa espécie foi redescoberta graças a uma Harpia encontrada por um primatólogo que primeiro realizou levantamentos no local. Avisado, o renomado ornitólogo Rômulo Ribon providenciou uma expedição àquela mata. Chegando lá, qual foi sua surpresa ao encontrar o já considerado praticamente extinto entufado-baiano!

Assim começou uma nobre mobilização que culminou com a criação da Mata do Passarinho, reserva atualmente aberta a observadores de aves e gerenciada pela Biodiversitas, ONG mineira que trabalha em prol da preservação de nossa natureza e que merece nossos aplausos.


Horas de estrada e só destruição. As poucas aves que encontramos foram as generalistas. Com poucas exigências ecológicas, tais espécies conseguem colonizar áreas onde a vegetação foi suprimida.

O sentimento de desolação é inevitável. Nessas horas vivenciamos a triste situação das aves endêmicas da Mata Atlântica. Não à toa é o bioma onde se encontram mais espécies ameaçadas de extinção.

E no caso do entufado-baiano não é difícil imaginar porque sua situação é tão crítica: é uma ave que vive no solo da floresta, sua distribuição geográfica é limitada por dois grandes rios, o Jequitinhonha ao sul e o São Francisco ao norte, praticamente o pouco que restou da Mata Atlântica deste trecho do Brasil só se manteve de pé por causa da cultura cacaueira que poupou as árvores da floresta mas destruiu o sub-bosque, eliminando assim seu habitat.

A sensação é de que a Mata do Passarinho é uma legítima Arca de Noé

Como é de praxe nos domínios da Mata Atlântica, a Mata do Passarinho só sobreviveu porque se localiza numa área de difícil acesso, com relevo bastante acidentado, o que dificulta sua exploração.

Após uma subida íngreme, adentramos um mundo perdido, isolado nas montanhas mais altas da região, uma ilha de biodiversidade onde dezenas de espécies ameaçadas encontraram refúgio entre mares de morros devastados, última morada de uma das aves mais raras do mundo.

Preciso dizer mais alguma coisa? Só que é um lugar imperdível!!!

Como já adiantei, registrar o entufado-baiano é tarefa árdua. Além do cuidado que temos que ter com tal raridade, a topografia e habitat não ajudam. Tomei três tombos, e com fortes dores nas costas, além de uma noite sem dormir, este foi o melhor registro que consegui:

Maior que seu "primo" do sul, sua presença é marcante, quando conseguimos vê-lo...

O pouco tempo que sobrou das nossas buscas pelo entufado foi suficiente para apreciarmos outras raridades da Mata do Passarinho, é incrível a concentração de aves raras e ameaçadas naquele lugar:

Cuitelão (Jacamaralcyon tridactyla)

João-baiano (Synallaxis whitneyi)

Papa-moscas-estrela (Hemitriccus furcatus)

Rabo-amarelo (Thripophaga macroura)

Sabiá-pimenta (Carpornis melanocephala)

Gavião-pato (Spizaetus melanoleucus), reencontro emocionante

Tiriba-de-orelha-branca (Pyrrhura leucotis)

Tropeiro-da-serra (Lipaugus lanioides)

Chora-chuva-de-cara-branca (Monasa morphoeus), ao que tudo indica, primeiro registro pra Mata do Passarinho no Wikiaves

Com esse desfile de raridades da Mata Atlântica finalizo nosso primeiro destino parabenizando o pessoal da Biodiversitas, em especial o Bill e o Alexandre, por salvar da extinção o entufado-baiano e preservar a incrível Mata do Passarinho: http://www.biodiversitas.org.br/projetoasas/reserva.html