domingo, 17 de setembro de 2023

Uma grande aquisição para nossa tribo (Parte final)

 Ave amigos!

Mais do que um relato de viagem, esse post é também sobre nossa tribo, e essa viagem demonstrou muito bem o que costumo dizer, a nossa tribo é a melhor!

Através do site que reúne a tribo dos observadores de aves, o Wikiaves, entrei em contato com dois colegas, sendo que um deles vocês já conheceram, o Gustavo, gente boa demais! O outro colega, o Luiz Catende, é o maior observador de Pernambuco, nas palavras do próprio Gustavo. 

O Luiz foi sensacional! Além de profundo conhecedor das aves e das áreas naturais de Pernambuco, é um agregador, mobilizando colegas que conheciam as espécies que procurávamos em seus municípios.

E confirmando o que afirmamos, os colegas foram sensacionais, nos acompanhando e se dedicando ao máximo para que conseguíssemos registrar as espécies que procurávamos.

Nosso primeiro destino foi Taquaritinga do Norte, terra do grande observador Murilo Nascimento e limite leste de ocorrência da jacucaca (Penelope jacucaca), espécie vulnerável à extinção que infelizmente não pintou, apesar de responder ao playback e de todos os esforços envidados pelo dedicado Murilo, a quem agradeço novamente.

Murilo ajudando nas buscas pela codorna-do-nordeste

De Taquaritinga do Norte seguimos até Santa Cruz do Capibaribe onde encontramos com mais um membro da nossa tribo, o grande Almir Neves, que nos levou até uma área de Caatinga muito legal onde ocorre a codorna-do-nordeste (Nothura boraquira).


Da esquerda pra direita, Almir, Murilo, eu, Durval e Luiz, na área da codorna

Apesar de todos os esforços, a história da jacucaca se repetiu com a codorna-do-nordeste. Embora muitas buscas, só conseguimos ouvi-la distante.

De qualquer forma, conquistar lifers é só a cereja do bolo, o bolo em si tem muitos ingredientes: como o contato com a Natureza, a emoção da "caçada", conhecer lugares e culturas diferentes, e conhecer colegas que falam a mesma língua e coabitam o mesmo mundo, o mundo das aves.

Como costumo dizer, é um dom ser passarinheiro num mundo onde muitos estão perdidos.

Despedimo-nos do Murilo e do Almir, agradecendo-os imensamente pela disponibilidade e disposição em nos ajudar e por nos apresentar a Natureza da região.


Partimos então para Catende, terra do grande Luiz.

Luiz e o momento que fizemos o lifer do dia

Ferreirinho-de-testa-parda (Poecilotriccus fumifrons)

Logo no começo da trilha que acessa uma mata com ares de Amazônia fizemos esse simpático lifer



Mata muito imponente com sub-bosque relativamente limpo
Foto: Durval Bruzzi


Já falamos sobre isso da primeira vez que visitamos o C.E.P.. Há componentes florísticos e faunísticos comuns com a Amazônia na Mata Atlântica de lá, o que indica que um dia aquela floresta poderia ter sido contínua à Hileia.

Um exemplo disso foi outra simpática espécie que é abundante no local, a maria-de-barriga-branca (Hemitriccus griseipectus):

Sp. que ocorre somente na Amazônia e no Centro de Endemismo Pernambuco

A ideia inicial era irmos à RPPN Frei Caneca, numa cidade vizinha, mas devido ao mal tempo e às péssimas condições da estrada, resolvemos conhecer esse incrível fragmento na terra do Luiz, a quem agradeço mais uma vez por todo o apoio.


Depois de nossa ida à Catende, ainda fomos em Ipojuca (famoso por abrigar uma das praias mais famosas do país, Porto de Galinhas) atrás da garça-caranguejeira, espécie originária do Velho Mundo e bastante rara por aqui, contando com poucos registros no Nordeste.

Não encontramos a ilustre garça, mas curtimos uma praia maravilhosa com esse casal que muito bem me recepcionou durante essa inolvidável semana em terras pernambucanas.

Muito obrigado meus queridos primos!


E para finalizar, um flagrante legal que rolou em Ipojuca, no alagado onde procurávamos a garça-caranguejeira. 


Duas freirinhas pareciam que brincavam



sábado, 16 de setembro de 2023

Uma grande aquisição para nossa tribo (Parte 1: Gravatá/PE)

 Tudo começou quando éramos muito jovens, uns 30 anos atrás. 

Durvalzinho, apesar de mais novo, era o único amigo que curtia ir a campo atrás das rapinantes comigo. Na verdade, Dudu sempre gostou de tudo quanto é bicho. Seu pai, Durval Pitombeira, o Durvalzão, era caçador e pescador dos brutos. Hoje sabemos que muitos grandes observadores foram caçadores ou gaioleiros. Só uma questão de cultura mesmo, que avança seguindo a marcha inexorável da evolução. Pois sabemos também que o gosto pelo contato com a Natureza é algo em comum e que a cada dia novos adeptos da observação deixam vetustos costumes e entram para uma nova e mais interessante fase. 

Realmente é muito mais legal eternizar e compartilhar, do que um duvidoso prazer em por fim a uma vida. 

Foi o caso do Durvalzão, que hoje é um grande informante para mim, trazendo novidades da nossa querida cidade. Foi ele que descobriu, por exemplo, a coruja-orelhuda, que foi um lifer muito festejado, diga-se de passagem.

Fato é que, muito além dos laços familiares, a nossa afinidade deve ser de outras vidas. Compartilhamos muito além do gosto pela Natureza, compartilhamos inúmeros momentos que fizeram parte da minha história, como a primeira vez que vi a lua, a primeira pescaria na zona proibida do rio Piracicaba (no fundo do quintal em comum), a primeira viagem sozinho (quando eles moravam em Itabirito), entre muitos outros. Fato é que gosto demais desses Pitombeiras! 

 

Dudu e os gravatás de Gravatá


PRONTO! Convite aceito! 

Apesar dos ventos não estarem muito a favor, dei meu jeito e lá estava eu, indo conhecer o agreste pernambucano e "batizar" mais uma vez esse meu querido primo, já que fui padrinho de casamento dele com a bela Isabela e agora seria a grande estreia do Dudu fotógrafo de aves, com direito a perfil no Wikiaves e tudo. 

Mas não foi a primeira vez que estive visitando Dudu em Pernambuco e nem que passarinhamos juntos depois de adultos. A primeira, em 2018, ele morava em Recife e vocês podem conferir aqui como foi: Centro de Endemismo Pernambuco (C.E.P.)

Agora, de volta a Gravatá, primeira cidade que ele morou em PE, pude conhecer lugares que somente imaginava através dos seus relatos cheios de entusiasmo e esperança, e que, felizmente, corresponderam às expectativas.

Com as passagens compradas, comecei a pesquisar no Wikiaves e descobri o grande observador de Gravatá, o Gustavo S. Oliveira, que pronta e muito gentilmente se dispôs a nos guiar, nos levando até uma exuberante mata, um dos dois pontos conhecidos da rara e ameaçada maria-do-nordeste em todo estado de Pernambuco, como ele nos explicou.

E foi batata! 

O bicho é residente, e ao contrário dos seus congêneres, é relativamente tranquilo.

Hemitriccus mirandae


Mas antes desse nosso esperado encontro (e para Dudu começar com o pé direito), fomos num comedouro em um sítio próximo dessa mata, onde podemos encontrar uma das aves mais belas do Brasil, a saíra-pintor. 

Tangara fastuosa







Essa saíra-militar (bastante abundante no sítio) parece que está batendo continência.


Tangara cyanocephala




Outro bicho legal que pintou foi o aracuã-de-barriga-branca. 

Ortalis araucuan



Aqui agradeço o Gustavo por todo apoio e disponibilidade, valeu demais meu amigo! É muito bom pertencer a uma tribo como a nossa, onde todo mundo se ajuda e a gente acaba ajudando todo mundo.


Dudu, Gustavo e eu num dos raríssimos fragmentos de Mata Atlântica do C.E.P.




Tínhamos dois dias antes da viagem que faríamos para Taquaritinga do Norte, então aproveitamos para explorar dois locais que Dudu falava muito pra mim. Um grande banhado próximo à sua casa e uma região que possuia bons fragmentos florestais.

O banhado e a explicação do arco-íris da bandeira de Pernambuco. Foram muitos, todos os dias


De cara, ao chegar num pequeno espelho d'água atrás de uma construção, vi uma ave voando assustada e escondendo-se na densa vegetação do brejo. Já fiquei encucado porque aquele vulto pareceu-me algo inédito, principalmente pelo tamanho e pelo formato, pois não se encaixava nas visões de saracuras, socós e anatídeos que eu conhecia. 

Então após alguma exploração dos arredores, onde encontramos uma boa variedade de aves típicas, comecei a colocar playbacks de lifers em potencial e qual foi a minha surpresa quando ouvimos, depois de alguns instantes, um socoí-vermelho! 

Foi a primeira vez que ouvi a vocalização daquela fantástica espécie, além de ter sido o primeiro registro para o município no Wikiaves e também o primeiro registro sonoro publicado pelo Dudu. E a melhor gravação que já ouvi dessa sp, como vocês podem conferir: https://www.wikiaves.com.br/5592448

No primeiro dia no banhado também tive o prazer de conhecer o seu João, profundo conhecedor dos passarinhos da região. 

Com mais de 60 anos, seu João é bruto!
Ou como dizem por lá, cabra arretado!



Aproveitei seu conhecimento para perguntar sobre outro "alvo" dessa viagem, o pintassilgo-do-nordeste (nem vou mais adjetivar as aves dessa viagem como rara, ameaçada, pois todos os bichos q procuramos por lá o são) e prontamente ele disse que num condomínio onde ele trabalha sempre os vê. 

Sem titubear, fomos ligeiros pra lá!

A hora era a pior, mas mesmo assim conseguimos um registro, a famosa "foto de lifer", que dedico ao seu João, que muito gentilmente nos levou ao local. 



Spinus yarrellii

Até voltamos no dia seguinte pela manhã, mas não o encontramos.


Retornando ao brejo, registramos várias espécies, como papa-lagarta-acanelado, carão, encontro, pica-pau-de-banda-branca, japacanim, socó-boi, saci, jaçanã, alguns anatídeos, dentre outros.

Sou fã desses papa-lagartas, são encontros sempre muito empolgantes




Com um breve assobio, seu João convoca a festa dos japacanins


Apesar de várias tentativas, o socoí-vermelho não deu as caras, mas Dudu disse que ia bolar um plano para conseguir a foto do bicho. Tenho certeza que conseguirá! Como costumamos dizer, Dudu é MacGyver!

Partimos então pra mata. 

Qualquer floresta de pé no C.E.P. é valiosa. Basta uma olhada nas imagens de satélite para ver o quão pouco restou da outrora pujante floresta.

De cara topamos com um beija-flor-de-costas-violeta, sp em perigo de extinção, que infelizmente não rendeu boas fotos. Continuamos adentrando a trilha e ouvimos uma maria-do-nordeste. Até então só se conheciam dois pontos dessa sp em Pernambuco, conforme nos informou o grande Gustavo.



Paramos à beira de um pequeno lago no meio da trilha que parecia um lugar interessante para tentarmos alguns playbacks. 

Da borda do outro lado do lago, num daqueles emaranhados típicos, veio o som do próximo lifer: tatac, tatac, tatac! 

Tum tum tum, respondeu de cá o coração!

-Dudu, Synallaxis costuma dar trabalho, mas vamos conseguir!!!



Synallaxis infuscata



Sou um otimista! E não é que na maioria das vezes dá certo?!

Em Gravatá, só o socoí-vermelho ficou na vontade. Mas a sorte não nos acompanhou em Taquaritinga...