quinta-feira, 14 de abril de 2016

Ave Bahia! Boa Nova, cidade paraíso das aves

Amigos, Boa Nova é um lugar ímpar, com uma maravilhosa história de preservação que começou por causa de uma ave, o extraordinário gravatazeiro (Rhopornis ardesiacus).

Tive o prazer em conhecer um dos principais atores desta história e que atualmente é seu protagonista. E ainda tive o privilégio de ser apresentado ao gravatazeiro pelo próprio "o cara" do gravatazeiro, o Edson Ribeiro Luiz. Para não tornar este post longo demais recomendo assistirem este vídeo que fala um pouco desta história: https://www.youtube.com/watch?v=c3fMd4zFnKk

Foi por causa dessa ameaçada e linda ave que o Edson entrou para os quadros da SAVE, ONG que representa a BirdLife International no país e que tem como missão precípua salvar da extinção nossas aves. Não tem como não tirar o chapéu pra esses caras, são verdadeiros heróis! Dedicam suas vidas ao nobre propósito de salvar o pouco que restou de nossa natureza, exatamente o que mais precisa de ajuda, nossas aves mais ameaçadas de se extinguirem, e desculpem o necessário pleonasmo, PARA SEMPRE!

Alguns abdicam-se de suas famílias, da comodidade e conveniência das cidades maiores, até de sua cultura para viverem nos locais onde as últimas aves das espécies mais ameaçadas ainda sobrevivem. E como se não fosse pouco, ainda desempenham a nada fácil missão de conscientizar os moradores locais da importância de preservar aquelas espécies, muitas vezes indo de encontro a interesses econômicos dos próprios. Parabéns Edson, parabéns todos da SAVE, admiro demais vocês!!!

Mas o que Boa Nova tem de tão especial que a tornou destino obrigatório para birders de todo mundo? Além do raríssimo gravatazeiro, Boa Nova é agraciada por uma localização geográfica especial que propiciou o desenvolvimento de um mosaico de biomas muito peculiar, e que graças a algum milagre, bastante da vegetação original se manteve de pé até o pessoal da SAVE se aportar no local e ajudar a criar o Parque Nacional e o Refúgio de Vida Silvestre de Boa Nova, com o intuito de preservar aquela rica região ecótone inserida numa das regiões mais devastadas do Estado da Bahia.

O que mais me impressionou nessa expedição que cortou a Bahia de sul a norte foi justamente esse mosaico de biomas tão díspares que encontramos em Boa Nova. Poucos minutos pela estrada que corta a serra da Ouricana nos leva da mais exuberante e úmida Mata Atlântica, ao bioma mais seco do Brasil, a Caatinga. Uma pequena faixa de cerca de 10 km separa o semi-árido do sempre-úmido. E é justamente nesta pequena faixa que encontramos o gravatazeiro, que recebeu este nome devido aos gravatás, grande bromélia que se desenvolve no solo da Mata de Cipó, variante da Mata Atlântica que faz a transição da Caatinga para a Mata Atlântica propriamente dita.


Mata Atlântica em Boa Nova

Caatinga em Boa Nova
Foto: Wagner Nogueira
Gravatá(provavelmente uma das muitas sp, perdoem-me os botânicos)

Este gravatá é típico da Mata de Cipó, e os gravatazeiros estão intimamente ligados a ele: nos gravatás eles fazem seus ninhos, encontram alimento, se refugiam dos predadores. Impossível preservar o gravatazeiro sem preservar a Mata de Cipó. Assim o raro, endêmico e belo gravatazeiro se tornou espécie-bandeira, símbolo de preservação desta ameaçadíssima fitofisionomia da Mata Atlântica, que já nasceu rara, esgueirando-se por uma pequena faixa do leste baiano.

Mata de Cipó
Área de transição

No primeiro dia flertamos com secos e molhados:

Papa-moscas-do-sertão (Stigmatura napensis)

Beija-flor-de-garganta-azul (Chlorostilbon notatus)

Choca-do-nordeste (Sakesphorus cristatus) casal


Topetinho-vermelho (Lophornis magnificus) fêmea

Formigueiro-do-nordeste (Formicivora iheringi)

Furriel (Caryothraustes canadensis)

Mas o segundo dia é que nos reservaria os momentos mais aguardados. Neste dia contamos com a excelente companhia do Edson, que tirou seu dia de folga para nos apresentar as maravilhas de Boa Nova.

Nosso primeiro destino foi uma trilha na Mata Atlântica do Parque Nacional, e antes mesmo de adentrarmos a mata o Edson nos apresentou um casal dos raríssimos e recém-descritos acrobatas (Acrobatornis fonsecai), que espantosamente vivem numa área degradada, mas com alguns vinháticos enormes, onde costumam fazer ninho. Esta espécie era uma das tops que eu esperava ver nesta viagem e estes foram os únicos que encontramos.

Nunca vi um passarim tão carismático, tão carinhoso uns com os outros. Muito legal como eles se interagem.






Isso que é começar o dia com o pé direito! O primeiro presente do dia que recebemos do Edson.

Logo em seguida, olha o que pinta:

Pica-pau-anão-de-pintas-amarelas (Picumnus exilis), sp típica de mata de baixada

Já dentro da trilha, uma das primeiras espécies que encontramos foi um comemorado lifer:

Trepador-sobrancelha (Cichlocolaptes leucophrus) jovem

Mais adiante, um sabiá-coleira (Turdus albicollis) bem diferente:



O familiar e belo formigueiro-assobiador (Myrmoderus loricatus)
Caburé-miudinho, lifer muito festejado

Olha pessoal, foram muitas surpresas, mesmo para o Edson, acostumado com o local, mostrando o grande potencial do Parque. Só pra citar algumas: um grande bando dos raros apuins-de-costas-pretas(primeiro registro no Wiki para Boa Nova), gavião-pega-macaco (só ouvimos, não há documentação para o Parque), tiriba-de-orelha-branca(novidade total) e espécies que podem vir a ser separadas futuramente. Enfim, um grande tesouro biológico aquele Parque.


Depois do almoço seguimos para a segunda parte deste grande dia, destinos: Mata de Cipó e Lajedo dos Beija-flores.

Na Mata de Cipó nosso anfitrião nos apresentou o gravatazeiro.

Como que sabendo que quem o chamava era seu maior defensor, um casal atendeu dando o maior show!

Macho

Fêmea vocalizando

Um encontro emocionante

Depois de tantas emoções, ótimos papos e um tanto cansados, fomos terminar o dia conhecendo o famoso Lajedo dos Beija-flores. Digno de menção o fato de que a área do Lajedo foi adquirida pela grande fotógrafa de aves Ester Ramirez e seu marido, e agora conta com proteção integral, um exemplo a ser seguido por quem pode e ama nossas aves. Parabéns, tiro o chapéu pra vocês!

Detalhe do Lajedo

Helberth Peixoto, eu, Edson Ribeiro e Wagner Nogueira, no Lajedo dos Beija-flores
Foto: Wagner Nogueira

Particularmente tinha esperança de fotografar algum beija-flor-vermelho(beija-flor mais desejado dessa viagem) atrasado para sua migração anual. Eles costumam partir do Lajedo(melhor lugar para fotografar essa formidável sp) em março e só retornam na primavera. Quase rolou, nos "finalmentes" uma fêmea foi encontrada pelo Wagner, porém não consegui fotografá-la, ficou só na vontade.

Mas para não dizer que fui ao Lajedo e não fotografei nenhum beija-flor rs:

Amazilia lactea no famoso cacto do Lajedo

Outras aves que deram show pra gente:

Barulhento(Euscarthmus meloryphus), foto boa de lifer difícil graças a expertise do Wagner

Bacurauzinho-da-caatinga (Hydropsalis hirundinacea) arrancando para mais uma correria
Este bacurau deu um show a parte! Quando todos menos esperavam, em vez de voar, como de costume fazem seus congêneres, ele saiu correndo, como um mamífero ou um crustáceo, enfim, tudo menos um bacurau.

Deixamos o Lajedo um pouco antes da hora porque uma forte chuva se aproximava, então fomos jantar e em um dos muitos bons papos que rolou, o Edson nos contou que quando ele teve em Canudos para observar as araras-azuis-de-lear (nosso próximo destino), ele presenciou uma cena incrível: uma águia-chilena(atual águia-serrana) rapinando um filhote de arara que acabara de sair do ninho! Não dá nem pra imaginar uma cena dessas...

Bem pessoal, tentei ser o mais conciso possível, para não me delongar muito, mas só nossa estada em Boa Nova renderia um livro. Há também outra possível novidade que caso se confirme ainda será revelada. Aguardemos.

Despedi-me de Boa Nova agradecendo toda a cordialidade e boa-vontade do mais novo amigo, o Edson, "o cara" de Boa Nova.

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