Tudo começou quando éramos muito jovens, uns 30 anos atrás.
Durvalzinho, apesar de mais novo, era o único amigo que curtia ir a campo atrás das rapinantes comigo. Na verdade, Dudu sempre gostou de tudo quanto é bicho. Seu pai, Durval Pitombeira, o Durvalzão, era caçador e pescador dos brutos. Hoje sabemos que muitos grandes observadores foram caçadores ou gaioleiros. Só uma questão de cultura mesmo, que avança seguindo a marcha inexorável da evolução. Pois sabemos também que o gosto pelo contato com a Natureza é algo em comum e que a cada dia novos adeptos da observação deixam vetustos costumes e entram para uma nova e mais interessante fase.
Realmente é muito mais legal eternizar e compartilhar, do que um duvidoso prazer em por fim a uma vida.
Foi o caso do Durvalzão, que hoje é um grande informante para mim, trazendo novidades da nossa querida cidade. Foi ele que descobriu, por exemplo, a coruja-orelhuda, que foi um lifer muito festejado, diga-se de passagem.
Fato é que, muito além dos laços familiares, a nossa afinidade deve ser de outras vidas. Compartilhamos muito além do gosto pela Natureza, compartilhamos inúmeros momentos que fizeram parte da minha história, como a primeira vez que vi a lua, a primeira pescaria na zona proibida do rio Piracicaba (no fundo do quintal em comum), a primeira viagem sozinho (quando eles moravam em Itabirito), entre muitos outros. Fato é que gosto demais desses Pitombeiras!
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Dudu e os gravatás de Gravatá |
PRONTO! Convite aceito!
Apesar dos ventos não estarem muito a favor, dei meu jeito e lá estava eu, indo conhecer o agreste pernambucano e "batizar" mais uma vez esse meu querido primo, já que fui padrinho de casamento dele com a bela Isabela e agora seria a grande estreia do Dudu fotógrafo de aves, com direito a perfil no Wikiaves e tudo.
Mas não foi a primeira vez que estive visitando Dudu em Pernambuco e nem que passarinhamos juntos depois de adultos. A primeira, em 2018, ele morava em Recife e vocês podem conferir aqui como foi: Centro de Endemismo Pernambuco (C.E.P.)
Agora, de volta a Gravatá, primeira cidade que ele morou em PE, pude conhecer lugares que somente imaginava através dos seus relatos cheios de entusiasmo e esperança, e que, felizmente, corresponderam às expectativas.
Com as passagens compradas, comecei a pesquisar no Wikiaves e descobri o grande observador de Gravatá, o Gustavo S. Oliveira, que pronta e muito gentilmente se dispôs a nos guiar, nos levando até uma exuberante mata, um dos dois pontos conhecidos da rara e ameaçada maria-do-nordeste em todo estado de Pernambuco, como ele nos explicou.
E foi batata!
O bicho é residente, e ao contrário dos seus congêneres, é relativamente tranquilo.
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Hemitriccus mirandae |
Mas antes desse nosso esperado encontro (e para Dudu começar com o pé direito), fomos num comedouro em um sítio próximo dessa mata, onde podemos encontrar uma das aves mais belas do Brasil, a saíra-pintor.
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Tangara fastuosa |
Essa saíra-militar (bastante abundante no sítio) parece que está batendo continência.
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Tangara cyanocephala |
Outro bicho legal que pintou foi o aracuã-de-barriga-branca.
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Ortalis araucuan |
Aqui agradeço o Gustavo por todo apoio e disponibilidade, valeu demais meu amigo! É muito bom pertencer a uma tribo como a nossa, onde todo mundo se ajuda e a gente acaba ajudando todo mundo.
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Dudu, Gustavo e eu num dos raríssimos fragmentos de Mata Atlântica do C.E.P. |
Tínhamos dois dias antes da viagem que faríamos para Taquaritinga do Norte, então aproveitamos para explorar dois locais que Dudu falava muito pra mim. Um grande banhado próximo à sua casa e uma região que possuia bons fragmentos florestais.
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O banhado e a explicação do arco-íris da bandeira de Pernambuco. Foram muitos, todos os dias |
De cara, ao chegar num pequeno espelho d'água atrás de uma construção, vi uma ave voando assustada e escondendo-se na densa vegetação do brejo. Já fiquei encucado porque aquele vulto pareceu-me algo inédito, principalmente pelo tamanho e pelo formato, pois não se encaixava nas visões de saracuras, socós e anatídeos que eu conhecia.
Então após alguma exploração dos arredores, onde encontramos uma boa variedade de aves típicas, comecei a colocar playbacks de lifers em potencial e qual foi a minha surpresa quando ouvimos, depois de alguns instantes, um socoí-vermelho!
Foi a primeira vez que ouvi a vocalização daquela fantástica espécie, além de ter sido o primeiro registro para o município no Wikiaves e também o primeiro registro sonoro publicado pelo Dudu. E a melhor gravação que já ouvi dessa sp, como vocês podem conferir:
https://www.wikiaves.com.br/5592448
No primeiro dia no banhado também tive o prazer de conhecer o seu João, profundo conhecedor dos passarinhos da região.
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Com mais de 60 anos, seu João é bruto! Ou como dizem por lá, cabra arretado! |
Aproveitei seu conhecimento para perguntar sobre outro "alvo" dessa viagem, o pintassilgo-do-nordeste (nem vou mais adjetivar as aves dessa viagem como rara, ameaçada, pois todos os bichos q procuramos por lá o são) e prontamente ele disse que num condomínio onde ele trabalha sempre os vê.
Sem titubear, fomos ligeiros pra lá!
A hora era a pior, mas mesmo assim conseguimos um registro, a famosa "foto de lifer", que dedico ao seu João, que muito gentilmente nos levou ao local.
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Spinus yarrellii |
Até voltamos no dia seguinte pela manhã, mas não o encontramos.
Retornando ao brejo, registramos várias espécies, como papa-lagarta-acanelado, carão, encontro, pica-pau-de-banda-branca, japacanim, socó-boi, saci, jaçanã, alguns anatídeos, dentre outros.
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Sou fã desses papa-lagartas, são encontros sempre muito empolgantes |
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Com um breve assobio, seu João convoca a festa dos japacanins |
Apesar de várias tentativas, o socoí-vermelho não deu as caras, mas Dudu disse que ia bolar um plano para conseguir a foto do bicho. Tenho certeza que conseguirá! Como costumamos dizer, Dudu é MacGyver!
Partimos então pra mata.
Qualquer floresta de pé no C.E.P. é valiosa. Basta uma olhada nas imagens de satélite para ver o quão pouco restou da outrora pujante floresta.
De cara topamos com um beija-flor-de-costas-violeta, sp em perigo de extinção, que infelizmente não rendeu boas fotos. Continuamos adentrando a trilha e ouvimos uma maria-do-nordeste. Até então só se conheciam dois pontos dessa sp em Pernambuco, conforme nos informou o grande Gustavo.
Paramos à beira de um pequeno lago no meio da trilha que parecia um lugar interessante para tentarmos alguns playbacks.
Da borda do outro lado do lago, num daqueles emaranhados típicos, veio o som do próximo lifer: tatac, tatac, tatac!
Tum tum tum, respondeu de cá o coração!
-Dudu, Synallaxis costuma dar trabalho, mas vamos conseguir!!!
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Synallaxis infuscata |
Sou um otimista! E não é que na maioria das vezes dá certo?!
Em Gravatá, só o socoí-vermelho ficou na vontade. Mas a sorte não nos acompanhou em Taquaritinga...
Eita... o vontade de tá no meio desse povo....
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