terça-feira, 8 de maio de 2018

O incrível caso da Harpia do Zoo Park da Montanha

Ave amigos!

Já ia iniciar esse post falando que essa viagem começou quando o grande amigo Justiniano Magnano mandou-me o incrível registro de uma harpia feito num zoológico! Mas, pensando melhor, essa é uma viagem que começou há muitos anos atrás...

Minha tia/irmã Helenita (ela é mais jovem do que eu) desenterrou um fóssil que, pelas suas estimativas, é datado de 1981, ou seja, quando este que vos escreve contava com quatro anos de idade. Ela fez até uma arte com ele e me presenteou. Gostei demais, muito obrigado tia Di!

Acreditem, é uma harpia


Daonde pode vir uma paixão assim? Que mesmo já a tendo encontrado 3 vezes (e mesmo que fossem 30) me fez viajar mais de mil km no intervalo de dois dias para reencontrá-la?
Já me fizeram essa pergunta. De concreto mesmo só posso dizer que essa paixão inexplicável me fez ser o que sou hoje, e estou muito feliz com isso.

A prática da observação de aves é muito mais do que se imagina, só quem a pratica sabe do que estou falando. Recentemente estudos mostram o bem que ela pode nos fazer, tanto no plano físico, quanto no mental/espiritual.

O Homem precisa urgentemente parar de destruir a Natureza. Precisa se reconectar com essa mãe zelosa e generosa. Mas, voltando à Vossa Majestade, sou um fiel súdito e sempre que puder estarei lá para venerá-la. Na verdade não tenho palavras para descrever a sensação que é encontrá-la livre na Natureza. É algo no mínimo transcendental!

Bem, chega de babação de ovo de harpia e vamos aos fatos!

Para quem não está por dentro, em março deste ano uma harpia foi vista numa mata que cerca o Zoo Park da Montanha, localizado na região serrana do Espírito Santo, atraída pelo casal de harpias do zoológico. Pelo Wikiaves, é o registro mais ao sul da praticamente única população brasileira dessa espécie na Mata Atlântica. Desde então, quase que cotidianamente (conforme conversa com o dono do Zoo, sr. Almir, gente finíssima, ela tem pintado cinco dias e tem sumido por dois) ela tem sido vista, e o que é melhor, com hora e local pré-definidos! Não podia perder uma oportunidade dessas...

Foi nessa "vibe" que propus ao grande ornitólogo Guilherme Serpa praticamente um bate-e-volta. Entre a nossa partida e nossa chegada aqui no Rio foram 36 horas, só de estrada 16, mas os momentos de êxtase valeram demais a pena!

Dando uma olhada nas imagens de satélite, vemos que no entorno do Zoo Park da Montanha há muitos fragmentos de Mata Atlântica, o que comprova que se cada proprietário de terras conservasse o mínimo legal de vegetação nativa poderíamos ter hoje uma situação ambiental muito mais favorável, preservando biodiversidade, recursos hídricos, clima e equilíbrio ecológico local (o q diminui a necessidade de insumos) etc. Só uma palavra explica a não observância das leis ambientais: ignorância. As leis ambientais foram feitas por especialistas da área e visam o bem de todos, inclusive daqueles que as ignoram.

Mesmo fragmentadas, as matas da região dão abrigo para a maior águia do mundo

Bem, chega de conscientização e voltemos aos fatos.

Minha referência no ES é o grande Justiniano Magnano, uma pessoa iluminada, um grande amigo! Então falei com ele sobre meu propósito. Com sua notável gentileza e generosidade prontificou-se não só para me receber em sua terra, como também para "desenrolar" nossa visita com o sr. Almir. Muita gratidão, magnânimo amigo!

Chegamos conforme previsto, por volta das 14 horas de sábado. Fomos muito bem recebidos pela sra. Maria Isabel que já foi nos enchendo de esperança contando alguns "causos" da festejada harpia do Zoo Park da Montanha. Eu era um poço de emoções: felicidade, esperança, ansiedade, com uma pitada de receio, afinal, na Natureza não há cartão de ponto.

Ficamos sabendo que quando a harpia vem à tarde, chega por volta das 16 horas e, independente do horário, sempre chega pelo mesmo local, um morro florestado localizado em frente ao zoo, que logo batizei como morro da Harpia.

Morro da Harpia

Também tivemos o prazer de conhecer o monitor e futuro ornitólogo Maurício, ele foi o sortudo que primeiro viu a harpia, na manhã do dia 03/03/18 (o sr. Almir nos disse que há 5 anos se sabe da presença desse bicho na região). Será que o grande Maurício tinha ideia da repercussão daquele seu avistamento?!

Birders de todo o ES, além do Rio e MG estão peregrinando até lá para venerar a rainha das matas brasileiras. A imprensa local já noticiou "a ave rara" que está movimentando a região. E o sr. Almir está fazendo um imprescindível trabalho de conscientização da população local, o que é digno de nossos aplausos.

Fomos então para o ponto tradicional, próximo ao recinto da harpia, de onde tínhamos a vista para o morro da Harpia. Ainda na estrada recebemos via zap uma foto feita naquela manhã do grande guia e amigo Hudson Martins. Será que ela voltaria à tarde?! E no domingo?! Dá pra imaginar como foi a viagem de ida...

Depois de um bom tempo de muita ansiedade, por volta das 16 horas, tive a inenarrável sensação de contemplar a grande harpia, aquele ser mitológico com cabeça de mulher e corpo de abutre, fazer uma apoteótica aparição! A visão que tive foi um magnífico quadro, pois quando olhei para o morro ela estava sobrevoando o mesmo numa posição como se estivesse em pé, claramente se exibindo. Em ato reflexo fui ao visor da câmera para registrá-la (o observador sempre perde para o fotógrafo nessas horas). Mas naquele breve instante ficou claro o porquê do seu nome.

Aquele bicho está em outro patamar! Acostumados a observar urubus e gaviões sobrevoando nossas matas, quando vemos uma harpia... a coisa muda de figura radicalmente. A referência de tamanho que temos das outras aves realmente torna a observação de uma harpia algo bastante impactante. Seu incomparável porte nos dá a impressão de ser uma pessoa com asas.  Parece que estamos vendo algo sobrenatural! Parece realmente que estamos diante daquela entidade mitológica, vivenciando um sonho real.

A Harpia é como uma onça-pintada do dossel, reina absoluta sobre a floresta


Depois de um bom tempo e de algumas vocalizações, a harpia voou para uma árvore no mesmo morro mas mais distante, matando nossas esperanças de um sobrevoo. Ela pernoitou ali pois pudemos observá-la até a última luminosidade do dia. E mesmo sob o manto escuro da noite ouvimos, surpreendidos, sua vocalização.

Provavelmente a harpia pernoitou nessa árvore emergente


Acordamos às 5 e meia no dia seguinte e para nosso alívio logo escutamos Sua Majestade. A serração estava fortíssima e mesmo a chegada do sol não foi suficiente para vencê-la.


A vocalização estava bem mais próxima, mas não se via nada no morro da Harpia


À esquerda o recinto das harpias, ao fundo e sob neblina o morro da Harpia

Como o sr. Almir nos relatou, nossa rainha sempre chegava pelo seu morro e depois de um tempo sobrevoava o recinto das harpias, pousando nuns eucaliptos que ficavam em outro morro atrás do recinto. Depois de algum tempo retornava ao ponto de partida, sobrevoando novamente o zoo.

Sabendo disso sugeri ficarmos em um local para tentar registrá-la num ângulo mais interessante, pegando seu voo mais de perfil. Mas as horas passavam e mesmo com o sol já um tanto alto a serração não se dissipava. Foi quando notei que o macho do recinto estava olhando fixamente para os eucaliptos. Sem sucesso tentei ver alguma coisa de onde estava. Logo em seguida, o Maurício (aquele mesmo, o pé-quente que viu a harpia pela primeira vez) nos informou que ela estava pousada num dos eucaliptos. Provavelmente a forte serração impossibilitou nossa observação quando ela atravessou o vale (lembrei-me que o sr. Almir havia relatado que tal fato era comum).

Com o coração na boca fomos ligeiros para outro ponto onde tínhamos uma melhor visão dos eucaliptos.

E lá estava ela, no alto de um grande eucalipto, fazendo pose para um dos seus maiores admiradores!

Cena incomum, uma harpia "sentada" num eucalipto.
Interessante destacar as marcas no galho, provavelmente feitas por suas poderosas garras ao pousar e/ou decolar

Agradeci demais e aproveito aqui pra agradecer novamente o grande Maurício, gente finíssima, que foi imprescindível para nosso sucesso nessa empreitada. Muito obrigado mesmo Maurício!

Fotograficamente falando, meu objetivo principal era conseguir uma boa foto dela voando. São raras fotos assim. Podemos elencar um conjunto de fatores que dificultam conseguir uma boa foto de uma harpia voando. Por exemplo temos questões relacionadas com a biologia da espécie, seu habitat, a própria raridade e dificuldade de detecção, entre outras.

Mas essa situação única no mundo é um prato cheio para nós, fotógrafos de aves. Ali temos todas as condições favoráveis. Sabemos o horário, o local e temos uma grande área aberta, onde a magnífica águia se lança com suas grandes e largas asas, atravessando o vale em voo planado, como uma "bruja", deixando para trás um arrebatador feitiço que não tem fim.




Para saber mais sobre a espécie: http://www.avesderapinabrasil.com/harpia_harpyja.htm

10 comentários:

  1. Que isso, João!
    Imagino sua emoção, sabendo o quanto você ama os rapinantes.
    Que fotos! Esta última dela, em vôo, é capa de revista.
    Parabéns pelas fotos e por mais um relato que sempre nos emociona.
    Abração.

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  2. Deixar aqui um comentário...Acho que,uma só palavra é melhor :
    E S P E T A C U L A R .

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  3. Excelente texto e contexto!!!
    Muito bem descrito João Sérgio, estive aí no dia 05 de maio e pude contemplar esta maravilha da Natureza, um sonho de infância ver esta gigante livre bem de pertinho!!! Parabéns pelo seu trabalho!!!

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  4. Que relato incrível João Sérgio Barros, parabéns!
    Concordo com seu comentário, em momentos incríveis como esse, o observador sempre perde para o fotógrafo rsrs. Abraços

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    1. Valeu meu amigo! Concordamos em muitas coisas, principalmente pela paixão aos rapinantes.rs
      Abração!

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