domingo, 16 de fevereiro de 2014

Herborizar e passarinhar

Fui agraciado pelo tabelião e velho amigo Breno Barros com a obra de Auguste de Saint-Hilaire intitulada Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais, que o renomado botânico francês conta suas andanças por estas terras ainda selvagens.

O que me chamou bastante atenção é que Saint-Hilaire hospedou-se por um bom tempo na fazenda de familiares, no começo do séc. XIX.

Rio Piracicaba, que na época era conhecida como São Miguel do Mato Dentro, ainda contava com muitas matas virgens, e não à toa o botânico francês comparou a luxuriante vegetação de lá com a encontrada no Rio de Janeiro.

Pois bem, tal intróito foi somente para contextualizar uma passagem desta obra que me provocou alguma diversão, com muita familiaridade.

Enquanto se hospedava em Itajuru, localidade que até hoje existe em Rio Piracicaba, na fazenda do sr. Capitão Antônio Gomes de Abreu Freitas, Saint-Hilaire aproveitou para excursionar à já famosa ermida de Nossa Senhora Mãe dos Homens, bela igreja localizada aos pés da serra do Caraça, lugar maravilhoso que até hoje atrai botânicos, passarinheiros e afins de todo mundo.

Durante sua estada no Caraça, Saint-Hilaire nos brinda com esta pérola:

"...passei todo o dia herborizando nos arredores da ermida."


A passagem acima foi uma divertida surpresa e a analogia foi inevitável. 

Será que os ornitólogos da época já usavam o termo "passarinhar"?

A resposta pode vir do próprio Caraça.

Ano passado, durante passarinhada com meu fiel companheiro de passarinhadas, tio Maninho, conheci o famoso padre fotógrafo do Caraça, o Padre Lauro. Não o conhecia, nem por fotos, mas o interesse que meu equipamento e minha indumentária provocou naquele velho homem o denunciou.

"O senhor é aquele padre fotógrafo aqui do Caraça?" Saiu-me por instinto. 

Após este primeiro - e meio esquisito - encontro, o padre não parou mais de contar histórias das mais variadas sobre a natureza do local. Aos poucos eu ia levando a conversa para o mundo das aves e logo ele já estava com um guia procurando lifers para mim. Tive que me despedir senão o dia acabava naquela prosa boa. Então soltei: "Quem sabe um dia saímos juntos para passarinhar?" 

Com toda educação, o padre pediu até licença para me corrigir. Disse que passarinhar significa "matar" aula. Antigamente os alunos "matavam" aula para matar passarinho - disse o padre fotógrafo. 

Bem, da próxima vez que o encontrar vou convidá-lo para fotografar, pois passarinhar saiu de moda para aquele bom e velho padre.

Serra do Caraça, onde Auguste de Saint-Hilaire herborizou no começo do séc. XIX, vista de Rio Piracicaba

2 comentários:

  1. Olá, muito legal o relato.

    Esta Fazenda de Familiares seus ainda existe? Qual o nome.

    Abraços

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    1. Olá, perguntei ao meu tio Maninho(q sabe mais q eu) e ele assim me respondeu:

      “Prezado Sobrinho João, em atenção a seu pedido, informo ao questionante que infelizmente a Velha fazenda do Capitão Antonio Gomes de Abreu Freitas não existe mais, como as demais antigas que lá existiram, hoje as construções modernas tomaram os seus lugares. Se não me engano, restam apenas as ruínas, ou melhor, alicerces de pedras da antiga fazenda da viúva Dona Marculina, que foi casada com um parente nosso bem próximo e do Capitão acima citado, ela veio a falecer a mais de 50 anos, já com quase cem anos de idade. O nosso saudoso tio Padre José Saturnino Fernandes Freitas que era sobrinho bisneto do Capitão Idelfonso Saturnino Gomes de Figueiredo Freitas, que por sua vez era primo do Capitão Antônio Gomes de Abreu Freitas, que chegou a hospedar o Engenheiro francês Jean-Antoine Félix Dissandes de Monlevade, o João Monlevade, pioneiro na fundição de aço em Minas Gerais , que próximo daqui fundou uma forja, que posteriormente foi vendida a um grupo Belga e passou a chamar Cia. Belgo-Mineira, hoje a atual Acelor Mital. E deu também seu nome a atual cidade de João Monlevade. O tio Padre, se ainda vivesse estaria com 106 anos, me falava muito a respeito da Dona Marculina, da qual guardo (hoje estou com 62 anos de idade) uma vaga lembrança, e sempre a visitava quando de suas vindas à Rio Piracicaba, além de parentes eram bons amigos. Vou procurar saber de alguns familiares dos "Figueiredo Freitas" que lá ainda residem, se restam ainda essas ruínas ou os alicerces da antiga construção. Oportunamente trarei mais noticias através desse mesmo blog. Até qualquer momento novamente.”

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