quinta-feira, 7 de maio de 2015

A magnífica Rio Piracicaba: Brejão do Morro Agudo

O Brejão já foi apresentado no post anterior, mas conveniente também dizer que ele é cercado, e da também já mencionada estrada de terra é que o acessamos. A estrada o limita de um lado, e do outro o Morro Agudo, onde não há acesso.

A acústica do lugar nos favorece. É um vale, onde tanto o playback (método acústico de atração), quanto a vocalização das aves encontram um "corredor sonoro". Tal condição, somada ao pouco movimento da estrada e à ótima luz, fazem deste lugar um paraíso para fotógrafos de aves que procuram facilidades.

A lista completa de aves que encontramos no Brejão vocês poderão conferir no último post desta saga. Agora vou tentar passar os momentos mais tops que vivemos naquele lugar.

Helmut Sick leciona em sua obra prima, o Ornitologia Brasileira, que o rabo-mole-da-serra (Embernagra longicauda) é um endemismo das chapadas do interior de Minas Gerais e Bahia(ou seja, só existe nestes locais), ocorrendo em altitudes acima de 900 metros. Esta espécie substitui na Serra do Espinhaço o sabiá-do-banhado (Embernagra plantensis), espécie gêmea que, como o próprio nome popular diz, prefere áreas alagadas.

Pois bem, o que dizer então de encontrar um rabo-mole-da-serra num banhado e a 765 metros de altitude? Após várias reuniões entre os eminentes ornitólogos que se encontravam in loco, chegou-se à conclusão de que se trata de uma nova espécie: o rabo-mole-do-brejo! O rabo-mole-da-serra é uma espécie quase ameaçada de extinção, já o rabo-mole-do-brejo tá na tábua da beirada, pois acredita-se que ele só possa existir no magnífico Brejão do Morro Agudo.

Brincadeiras a parte, no Wikiaves há um registro do rabo-mole-da-serra para Rio Piracicaba. Conheci pessoalmente o autor deste registro que me informou que foi feito dentro da área da mina da Vale, provavelmente em altitude maior que a do Brejão. Aliás, do outro lado do Morro Agudo já é área da Vale.

Pesquisando o Wikiaves(site brasileiro de monitoramento voluntário de aves), Rio Piracicaba marca o limite oriental de ocorrência desta interessante espécie no Espinhaço mineiro. São evidências como essa que me fazem acreditar na singularidade de minha cidade natal, onde um braço da Cadeia do Espinhaço adentrou a Mata Atlântica, fazendo com que espécies de altitude como este Embernagra ocorram lado a lado com espécies de florestas úmidas, como a borralhara-assobiadora (Mackenziaena leachii).

Aliás, o Brejão do Morro Agudo é o melhor lugar que conheço para fotografar a borralhara-assobiadora. Bicho que habita "brenhas densas" e apesar de atender bem ao playback, costuma irriquietar-se, o que dificulta ainda mais um bom registro.

Mas a borralhara-assobiadora do brejão veio no playback, pousou fora da brenha e posou por um bom tempo! Uma eternidade para esta espécie.

Borralhara-assobiadora


Rabo-mole do brejo fazendo jus ao seu primeiro nome


Acho que de tanto falar, todos já sabem que desde criança sou aficcionado por aves de rapina. Principalmente tenho um fascínio nato por águias. Já me perguntaram algumas vezes o porquê. Não sei explicar. Talvez tenha um fundo ancestral, quando as cultuávamos como deuses, ou ainda mais longe, quando éramos presas delas. Vai saber... Digo isso para que vocês captem melhor minha emoção.

O fato é que mesmo um local como o Brejão do Morro Agudo sente quando entra uma frente fria e a temperatura despenca. Mas continuamos lá, com a esperança de que as coisas esquentassem.
Na verdade não imaginávamos que a coisa ia pegar fogo!

A adrenalina foi a mil quando percebi que um pequeno bando de gaviões-de-rabo-branco (Geranoaetus albicaudatus) estavam somando forças para combater uma grande águia-cinzenta(Urubitinga coronata)! Eles se revezavam, precipitando contra a segunda maior águia do Brasil, que estava pousada no alto do Morro Agudo!

Lembro-me muito bem: "Uai! Tem alguma coisa estranha acontecendo lá em cima!" Exclamei para o Daniel. "Tem alguns albicaudatus mergulhando em alguma coisa lá! Isso tá esquisito!"

Tava tão longe que quando vi pelo visor da câmera só sabia que se tratava de uma ave de rapina de grande porte, uma águia! Imaginei que fosse uma águia-chilena, pois há uns 10 anos encontrei uma naquele local e mais recentemente registrei outra próxima dali.

Mas qual foi minha alegria quando ao aproximar a imagem no LCD da câmera pude me certificar que se tratava de uma grande águia-cinzenta!

A águia-cinzenta é uma águia campestre que se encontra em perigo de extinção muito devido à perseguição de fazendeiros que a veem como uma ameaça para a criação. Mal sabem eles que ela é uma excelente caçadora de cobras peçonhentas e o benefício de se ter uma ave dessas por perto suplanta em muito algum incidente esporádico com alguma galinha ou algo do tipo.

A foto da identificação
Quando vi o bico negro contrastando com a cera amarelada não tive dúvida 

Momento que o gavião ataca a águia que se encontrava no solo e de costas

Mesma foto que a anterior, com menos crop, mostrando outro albicaudatus se preparando para mais um ataque


Particularmente este foi um dos maiores momentos em cerca de 30 anos observando aves de rapina.
Encontrar uma águia-cinzenta na minha cidade já seria a realização de um antigo sonho, aliás, já houve época que imaginava ser impossível tal feito. Então encontrá-la num flagrante tão legal e numa excursão tão magnífica foi surreal!

Agora, em termos ornitológicos, uma outra "descoberta" conseguiu superar esta da águia-cinzenta.

Há alguns anos o Juliano Silva, ornitólogo com grande atuação na região, me disse sobre a possibilidade de ocorrência do macuquinho-da-várzea (Scytalopus iraiensis) em Rio Piracicaba. Sugeriu-me para procurá-lo em áreas alagadas preservadas da cidade. Aliás, foi assim que "descobri" a Floresta Encantada, procurando este rhinocryptídeo em um brejo próximo.

Bem, procurei em alguns lugares propícios mas nunca o encontrei. Pensava mesmo que seria impossível encontrá-lo na minha cidade, pois os locais onde sabia que ele foi encontrado em Minas eram no alto de serras, como Cipó, Caraça e Moeda. E a mineração já fez seu trabalho nas áreas piracicabenses análogas.

O Juliano teve que ir embora um pouco antes do término dos trabalhos, mas no dia anterior ele tinha ouvido ao longe uma vocalização que poderia ser a do dito cujo. Tentamos um pouco de playback mas nada, apesar do iraiensis responder bem ao seu chamado.
Mais uma daquelas dúvidas insondáveis.

No dia seguinte o Juliano e o Roney tiveram que partir depois do almoço enquanto nós partimos para o Brejão em nossa última visita.

Mais um dia um pouco frio e nublado, com menos atividade que o primeiro dia em que os bichos pareciam brotar do chão. Porém, mais uma vez encontramos espécies fantásticas como EmbernagraMackenziaena e Donascopiza. Mas o grand finale do Brejão estava por vir.

Quem encontramos lá? Nenhuma dúvida, o macuquinho-da-várzea!

Eu estava do lado do Eduardo quando ele me disse que o mato estava mexendo. Como ele conhecia bem o bicho, de Moeda, onde é guia, foi logo exclamando "é ele!"

Como sempre o bicho não sai da moita nem dá as caras, o máximo que consegui foi ver um pedaço de sua cabeça, apesar de estar há um metro dele. Mas a gravação está de prova, encontramos o macuquinho-da-várzea em Rio Piracicaba!
http://www.wikiaves.com.br/1683413&p=1&tm=s&t=c&c=3155702&s=10987

O macuquinho-da-várzea é uma espécie que foi "descoberta" somente em 1998, encontra-se em perigo de extinção devido à destruição de seu habitat. No mapa abaixo, extraído do Wikiaves, os locais onde ele já foi registrado por observadores e ornitólogos colaboradores. O ponto azul é recente, refere-se à mais nova localidade onde ele foi registrado: a magnífica Rio Piracicaba!








6 comentários:

  1. Maravilha, João.
    A descoberta da águia-cinzenta foi um acontecimento ímpar mesmo. Cheio de ação e emoção.
    Aliás, toda essa viagem foi repleta de emoções.

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  2. Oi João. Mais um excelente relato. Foram muitos os momentos bem sucedidos. Vários deles surpreendentes. Foi joia poder compartilhar desses registros inusitados. Deixe-me acrescentar algo sobre o rabo-mole-da-serra. Logo, após a publicação da obra de Sick, Ricardo Bonfim Machado (apelidado de "Pacheco") divulgou informações acerca da expansão da espécie. Neste artigo de 1998, ele já assinala presenças no Peti e em Bela Vista de Minas (logo, próximas de Rio Piracicaba), abaixo das cotas altitudinais informadas por Sick. http://goo.gl/pbtsIG
    Valeu demais pelo convite e pela oportunidade de interagir com esse grupo afinado! Abraços, Fernando Pacheco

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    1. Muito interessante Mestre! Desconhecia esta informação, muito obrigado por compartilhar.
      Só por curiosidade, vc sabia que Bela Vista de Minas fazia parte de Rio Piracicaba, assim como João Monlevade?

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    2. Não sabia, João. Obrigado! A regra se mantém também para a Rio Piracicaba: quanto mais antigo o município mais amplos os limites geográficos no passado.

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    3. Fernando, li o artigo e a menor altitude registrada foi 800 metros, então nosso registro, ao que tudo indica, é recorde para essa espécie.

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