sábado, 25 de maio de 2019

Outras estrelas do Festival, primeira parte

Viajar para uma região desconhecida significa, pra bom entendedor, conhecer aves desconhecidas.

Esse é um dos grandes baratos do birdwatching: o novo, o imprevisível. Boa saída ao "mesmicismo" dominante.

À medida que submergimos nesse novo mundo, o "espírito caçador" vem à tona, enquanto os problemas vão ficando para trás.

Borralhara-assobiadora (Mackenziaena leachii)


É como se realizássemos uma meditação realmente transcendental, cujo foco são as aves, a Natureza.


Sanhaçu-de-fogo (Piranga flava)

Fêmea


Para nós, transcendência; para o mundo, imagens que revelam a beleza e a diversidade muitas vezes ignoradas, conhecimento do que temos a perder se não preservarmos o pouco que nos resta.

Raposa-do-campo (Lycalopex gymnocercus), com um pouco de sorte, entre uma ave e outra, encontramos mamíferos

Além da jaritataca, que não conseguimos fotografar, os graxains do seu Fernando, dono da pousada referência para birders em Urupema, a Rio dos Touros, deram show.

Cachorro-do-mato (Cerdocyon thous), conhecido localmente como graxaim, convidado especial da Eco Pousada Rio dos Touros


A cada viagem os conhecimentos adquiridos vão se entrelaçando com os novos, aumentando, progressivamente, nossa admiração, a capacidade mesmo de meditar, ante a perfeição e a inteligência da Natureza.

Papagaio-charão (Amazona pretrei)


Forma-se então um círculo virtuoso. Saudável dependência de contato íntimo com a Natureza, cujos benefícios já foram comprovados por cientistas japoneses.

"Banho de floresta", assim batizaram a miraculosa imersão.

Mata nebulosa da serra catarinense (foto Bruno Dinucci)
Clima fresco, sem mosquitos... o paraíso


Sanhaçu-frade (Stephanophorus diadematus)


Foi muito interessante encontrar o pedreiro (Cinclodes pabsti), endemismo das serras gaúcha e catarinense, e não identificar qualquer diferença com o pedreiro-do-espinhaço (Cinclodes espinhacensis), festejado super endemismo que atrai birders aos confins da serra do Cipó (onde ocorre em uma área de menos de quinhentos km²!), a mais de mil quilômetros ao norte.

Até 2012 tratava-se da mesma espécie.

Pedreiro (Cinclodes pabsti) na fazenda

Pedreiro a mais de 1500 m de altitude

A biogeografia é uma matéria realmente fascinante.

Algumas espécies atravessam continentes, outras se isolam em pequenas áreas.

A variedade de vocações e suas origens na evolução dos seres, desde as primeiras penas que apareceram nos dinossauros, é algo instigante. Acaso e adaptabilidade seriam explicações suficientes?


Chupa-dente (Conopophaga lineata)


Bico-grosso (Saltator maxillosus)


Curicaca (Theristicus caudatus)





Um dos pontos altos da viagem ficou por conta do pinto-do-mato-do-sul, possível nome popular dessa futura nova espécie.

Guardadas as devidas proporções, é o mesmo caso do pedreiro: duas populações do que se imaginava a mesma espécie, divididas, nesse caso, por uma barreira geográfica localizada no sul de SP, como mostra o mapa de registros da sp. no Wikiaves.






"Pinto-do-mato-do-sul (Hylopezus pintoi)"

O Fernando encantou esse daí! Disse inclusive o caminho por onde chegaria ao palco da apresentação. Lembram da tal imprevisibilidade? Toda regra tem exceção, e nesse caso, para nossa felicidade.

Na intimidade de um fantasminha 


A corujinha endêmica do sul do Brasil e países vizinhos nos proporcionou uma das melhores "caçadas" da viagem!

Logo no primeiro dia saímos atrás dela, aproveitando a estiagem, já que a previsão não era das melhores.

Paramos em um ponto de ocorrência e seguimos o protocolo. Estava ventando bastante, nenhuma resposta. Partimos pro jantar na esperança de que na volta o vento parasse. Vento não combina com corujada.

E mais uma vez São Pedro nos ajudou.

Sem vento, a sonhada resposta agitou a noite escura.

Festejamos o som da esperança, pois tudo ainda era só expectativa. Já tive outras experiências frustrantes com corujas. Ouvi-las não significa fotografá-las.

O tempo passava. O som se aproximou um pouco mas estancou em distância fora de nosso alcance.  Outro indivíduo também respondeu distante, alimentando um misto de euforia e apreensão. Então  me lembrei das cinco vezes que tentei fotografar o caburé-acanelado. Só consegui graças ao irmão Wagner Nogueira que se embrenhou atrás do som que também não se movia.

"Vamos atrás dela pessoal!!!" Todos concordaram animados!

No breu da noite, pulamos a cerca no final da subida do barranco, atravessamos o mato seguindo o pio que permanecia parado. Estávamos convictos de que se a gente não a encontrasse, ela não nos encontraria. O som, cada vez mais próximo, mas onde estava o bicho?!

Havia uma brenha daquelas! Pensei, o bicho só pode estar ali, por isso não estamos achando. Demos a volta na brenha e lá estava ela, na altura dos olhos e a poucos metros!!! E permaneceu ali por um bom tempo, mansa...

Corujinha-do-sul (Megascops sanctaecatarinae)
Com o coração na boca!


Grimpeirinho (Leptasthenura striolata), outro festejado lifer




Noivinha-de-rabo-preto (Xolmis dominicana), ameaçado lifer que deu show, permitindo boa aproximação


A fêmea



Vou ficando por aqui para não me estender demais. Até a próxima e última parte das aves da serra catarinense.

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