quinta-feira, 8 de agosto de 2024

Enfim, o socó!

 Ave!

Foi em busca do então socó-boi-escuro, há mais de cinco anos, que conheci o Marcos Perallta e sua linda família, proprietários da OCA Paraty, pousada referência em observação de aves na Costa Verde. 

Na ocasião, Chicão, guia de aves de Paraty, me levou em todos pontos possíveis do Rio Perequê-Açu, onde essa rara e esquiva espécie habita, e um desses pontos era na área da pousada. 

O Marcos, muito gentilmente, não só franqueou a entrada na sua pousada, como começava ali uma parceria que tinha como objetivo principal o registro do raro ardeídeo em terras paratienses. 

Como então não começar esse post falando dessa história? (mais detalhes em https://ave-amigos.blogspot.com/2019/06/gracas-ao-soco-da-oca.html)

Foram várias idas à sua incrível pousada, todas acompanhadas de churrasco e prosas maravilhosas, além de muitas fotos bacanas de aves que rolam na OCA. Enfim, outra grande amizade que as aves me trouxeram. 

Uma das fotos que mais gostei nesses quase 15 anos fotografando aves foi feita na OCA
Rabo-branco-rubro, dois gramas de pura simpatia

Saíra-sete-cores, a joia mais frequente nos comedouros da OCA e uma das fotos que mais gostei dessa sp


O tal do socó da OCA é residente, ou seja, vive ao longo do rio que margeia a pousada, onde se alimenta de peixes e camarões. Mas é aquela velha questão de estar no lugar certo, na hora certa. 


Segunda ou terceira busca (realmente perdi a conta) pelo socó em Paraty, quando contamos com a cia de outro querido amigo, Tavinho Moura


A penúltima busca em Paraty, há cerca de um ano, dessa vez com os amigos Guilherme Serpa e Luís da Mata

Mas a história com o socó-jararaca começou bem antes, 2013, em Iporanga, sul de SP, local que abriga o maior remanescente de Mata Atlântica. Lá também foram algumas vezes, sem sucesso. Até em Pirenópolis/GO eu procurei o danado, na ocasião com a fantástica Clarinha, que agora está pelo mundo afora tentando salvar-nos de nós mesmos.

2017, Clarinha no habitat do socó-jararaca

A última tentativa, em abril desse ano, foi em Angra, com o grande Carlos Blanco, mas apesar de ser um dos locais onde ele tem sido bastante avistado, também não rolou, aumentando ainda mais as expectativas. 

O socó-jararaca escolheu um ótimo lugar para viver
Angra dos Reis/RJ

Será que algum karma de outras vidas estava impedindo meu encontro com o socó? Será que botei fogo em algum ninho dele ou fui diretor de alguma mineradora que exterminou a vida de algum rio? Será que fui um ser desprezível e ganancioso? Afinal, onde estava a sorte que alguns diziam que sempre me acompanhava?! Até harpia com ninho e tudo já tinha encontrado! Mas o socó, nada.

Paraty, próximo da divisa com Angra dos Reis

E como o mundo é pequeno, principalmente quando se tem asas, foi um visitante andino que nos trouxe novamente a Paraty. 

Lifer em comum, o tricolino-oliváceo é daqueles bichos que vale a pena a viagem! No inverno ele desce os Andes em busca de climas mais amenos, mas é muito raro ir tão longe. No Wikiaves é a terceira vez que é registrado no estado do Rio. Então lá fomos nós, eu e o Serpa, contando mais uma vez com o grande Marcos Perallta, que não só nos guiou até o local redescoberto pelo Carlos Blanco, como mais uma vez nos convidou para ficar em sua maravilhosa pousada.

Numa das buscas pelo socó, dessa vez todos devidamente uniformizados pelo amigo e international birdwatching guide Guilherme Serpa 


O tricolino, ao contrário do socó, encontramos logo de cara. Só não respondeu ao playback, o que tornou o desafio mais interessante. 


Verdadeiro atleta olímpico, esse pequeno passarinho voou milhares de kms até aqui, medalha de ouro pra ele!


Após os primeiros raios do dia dedicados ao ilustre visitante, passamos novamente a buscar o raríssimo socó. 




Paraty/RJ



Só a ida ao habitat do socó-jararaca já vale a viagem. 

Ficar ouvindo o barulho das águas desses rios encachoeirados, em meio à mais bela de nossas florestas, enquanto sonhamos com uma aparição fantástica surgindo de trás de uma das muitas pedras que compõem aquela belíssima paisagem, realmente nos deixa naquela fronteira entre o real e o onírico. 









Lembro-me que conheci o socó-jararaca logo quando comecei a fotografar aves, na minha primeira viagem com esse fim. 

O site do Parque do Zizo, meu destino, falava de um raríssimo socó que já tinha sido visto num dos rios que serpenteavam suas matas primárias (caramba, existia um socó florestal!!!). Mas a euforia dessa descoberta durou pouco. Já a próxima oração rezava que ao menor sinal de perigo o bicho debandava.

Não imaginava que só cerca de quatorze anos depois e de umas mil outras espécies registradas, conseguiria tal proeza. 

Na verdade, surpreender um bicho florestal, desses ariscos, no seu habitat, é praticamente impossível, pois ele te nota muito antes de você encontrá-lo e o máximo que conseguimos é perceber um vulto sumindo rapidamente entre a densa vegetação.



Com o incansável Marcos, subíamos e descíamos trilhas que nos levavam a trechos acessíveis do rio, dentro e fora da pousada. O Serpa de vez em quando ia com a gente, queria registrar o adulto novamente. Mas quis o destino que o desfecho dessa busca fosse um pouco diferente.

Quando já estava mais uma vez me conformando que o socó poderia ficar para uma próxima oportunidade, o guia mais bem informado do Rio de Janeiro, Mister Serpa, sacou de sua manga um coringa!

"Vamos almoçar um peixe top e na volta passamos em Angra que o Carlos Blanco me disse que tem um jovem dando mole". Tranquilizou-me o Serpa, que já estava interessado no rango, enquanto eu só pensava em aproveitar aquele último dia em Paraty para procurar o socó. 

Despedimo-nos então do Marcos (que, sempre positivo, nos desejou toda sorte), da Sandra e de suas duas princesinhas e fomos a um restaurante no inigualável centro histórico de Paraty, muito bem indicado pelo Marcos.


Satisfeitos, partimos então para o famoso sertão de Mambucaba, eternizado no nosso meio graças ao trabalho que o Carlos Blanco vem fazendo há muitos anos, registrando diversas espécies magníficas, sendo o socó uma das mais tops. Não à toa estivemos lá em abril, mas mais uma vez o socó não deu as caras.

O sertão fica na divisa de Paraty com Angra. Passamos a ponte que divide os municípios e tentamos primeiro algum adulto em Angra, e mais uma vez nada do bicho. Então voltamos e adentramos a parte paratiana do sertão, famoso internacionalmente por abrigar um super endemismo da Costa Verde, o ameaçadíssimo formigueiro-de-cabeça-negra. 

Rodamos bem, chegamos a errar o caminho, até que a estrada encontra um rio, seguindo lado a lado com ele. Sem o Serpa falar nada, já veio uma adrenalina que dizia que ali era o lugar do tão esperado encontro (de tanto procurar o bicho, já reconhecia facilmente seu habitat nada pouco característico). Um lugar especialmente lindo, diga-se de passagem. 

Diminui a uma velocidade compatível e de dentro do carro mesmo começamos a perscrutar o rio. Mal comecei a colocar em prática tal plano, nem acreditei no que meus olhos viram!!! Caraca!!! Bateu uma tremedeira, respiração ficou ofegante, adrenalina aos baldes correndo solta nas veias! Caraca!!! O que fazer?! O bicho estava do lado do carro, imóvel! A estrada não distava mais q dois metros da beira do rio e o bicho estava próximo à margem! De onde estava não tinha ângulo para fotografar, estava muito perto, então dei ré bem devagar, morrendo de medo do bicho escafeder-se. Abri a porta e, tremendo igual vara verde, todo torto, tentando me esconder ao máximo atrás do carro, consegui, com muito custo, os primeiros registros. Afinal, tanto li e ouvi que o bicho era muito arisco e depois de tanto tempo procurando, mais a adrenalina do encontro, realmente fiquei "pilhado" de perder aquela oportunidade!

O Serpa, com sua característica calma, tentou apaziguar a situação, confirmando que o bicho era manso. Mas nessas horas o intelecto não consegue controlar muito a emoção. 

Só com a comprovação, na prática, que o bicho era manso mesmo, consegui relaxar e fazer os registros que agora posso compartilhar, literalmente e graças às novas tecnologias, com todo mundo.

Uma das primeiras cenas que consegui capturar, ainda meio escondido, foi esse flagrante de predação

Defecou e não saiu voando? "Esse bicho não vai mais embora", pensei






Tigrisoma fasciatum em seu habitat



Foram alguns minutos sensacionais na companhia desse meu jovem amigo socó! Foi muito legal observá-lo pulando de pedra em pedra. Às vezes parava, mirava algo no rio e não achando nada, continuava tranquilo. 










De vez em quando encrespava comigo, mas logo que via que eu não oferecia perigo, continuava tranquilamente sua rotina



Aquele jovem, contrariando toda fama do bicho, não tinha nada de arisco. 
Quando estávamos lá fotografando, algumas pessoas passaram andando e conversando. Como o riacho ficava à beira da estrada, creio que o nosso amigo socó se acostumou com o vai e vem das pessoas daquele sertão. 
Espero um dia voltar àquele lugar e achar o meu amigo com sua bela plumagem de adulto, assim como toda aquela belíssima natureza preservada. 


Bem pessoal, tinha mais algumas fotos para compartilhar aqui mas por algum motivo técnico não estou conseguindo, então vou ficando por aqui, agradecendo a todos os amigos que me ajudaram, Perallta, Serpa, Blanco, muito obrigado! Foram momentos especiais, e que graças à essa incrível invenção humana, a fotografia, ficarão eternizados!

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