sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

A ameaçada APA de Maricá e a sora

Já se foi o tempo que discurso ambiental era coisa de "econerd". Pelo menos em nações civilizadas, governos e sociedade organizada buscam alternativas para reverter o quadro assolador que se avizinha.
Mas no nosso atrasado e pouco inteligente país, as coisas continuam como antes da Independência, somos ainda uma colônia de exploração.

Como que o direito à subsistência, corolário do direito à dignidade da pessoa humana(teoricamente o "direito" mais importante), pode se curvar diante de interesses mercantis?

Como uma Área de Proteção Ambiental, a APA de Maricá/RJ, pode estar criticamente ameaçada de extinção, a despeito de seu título e de sua importância ecológica e social?

Não tenho as respostas, mas é isto que está acontecendo neste exato momento, conforme me relatou o grande ornitólogo e defensor da APA, Igor Camacho.

O Igor, que no último dia de campo de seu mestrado, encontrou a Sora(Porzana carolina), espécie registrada pela primeira vez em território brasileiro, nos guiou pela APA com a autoridade de quem desenvolveu um grande e minucioso levantamento avifaunístico na região.
Com sua imprescindível ajuda pudemos testemunhar a quantidade de aves migratórias que usam o complexo lacustre e as restingas do entorno para se abrigarem e se alimentarem para a longa jornada que as espera.
E mesmo após anos de monitoramento, ainda encontramos espécies migrantes novas utilizando a APA, como as belas andorinhas-azuis.

Um jovem 

O Igor me contou que há séculos uma comunidade de pescadores tira seu sustento das lagoas da APA, aliás, muito mais que a subsistência, a natureza faz parte da própria cultura deste povo, destruí-la é muito mais que privá-los de seu alimento físico e espiritual, é subtrair-lhes a própria identidade.

Pescador e natureza, integração total


A indignação aumenta quando descobrimos que uma das coisas que ameaça a vida de tantos seres vivos é a construção de um campo de golfe!
Os absurdos são muitos! Esperamos que as instituições que podem e devem impedi-los, honrem a missão que lhes foi confiada pela sociedade, a de se fazer valer as leis deste país.

O mínimo que nós, fotógrafos de aves, podemos fazer é divulgar as belezas que se encontram ameaçadas, pois não se preserva o que não se conhece:

Marrecas-toucinho



Maçaricos de várias espécies



O belo savacu-de-coroa é muito comum na APA




Garças-mouras sobre o taboal



As duas espécies de pernilongo são encontradas na APA



Gaivotas-de-cabeça-cinza 


Mas o que nos levou à APA de Maricá foi o encontro fantástico protagonizado pelo Igor Camacho.
O Igor encontrou esta espécie migratória que até então havia somente uma pele coletada no final do século XIX, em Pernambuco, e que (por enquanto) não consta na lista oficial de aves brasileiras.

Para mim, um feito histórico, mas que a modéstia do Igor não reconhece. O que importa - e ele está coberto de razão - é que esta descoberta só corrobora com a necessidade de preservar este lugar, refúgio desta e de tantas outras espécies, e propriedade dos pescadores, que sabiamente escolheram há séculos aquele lugar para viver.

O Igor encontrou a sora(forte candidata a constar na próxima revisão do CBRO) com uma precisão cirúrgica


Meus sinceros agradecimentos aos amigos Gabriel Mello, Guilherme Serpa, Igor Camacho e João Luiz Quental.

Guilherme Serpa, Igor Camacho e João Luiz Quental na APA de Maricá

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